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domingo, 15 de janeiro de 2012

Achtung baby, disco do U2 que mudou a década de 1990, é relançado



 (Maurenilson/CB/D.A Press sobre fotos de Breno Fortes/CB/D.A Press e Universal Music/Divulgação  )

Quando comprou o vinil de Achtung baby, em novembro de 1991, o músico Paulo Mesquita pensava que sabia absolutamente tudo sobre o U2. Pouco tempo antes, o paraense havia quebrado um recorde pessoal: ouviu The Joshua Tree (de 1987) 15 vezes seguidas. Pouco a pouco, o estilo de Bono, The Edge, Adam Clayton e Larry Mullen Jr. passou a lhe parecer muito familiar. Mas essa sensação de proximidade caiu por terra assim que os primeiros ruídos de Zoo Station, a faixa de abertura, zumbiram no aparelho de som. “Era muito estranho. Parecia que eu estava ouvindo uma outra banda”, lembra.

Paulo não foi o único fã que se viu um tanto desorientado diante da transformação dos ídolos. Vinte anos depois, o sétimo álbum do U2 é considerado uma das reinvenções mais completas da música pop. Após um período tumultuado de gravações, o grupo deixou para trás a pecha de astros politicamente corretos para renascer como uma das principais forças criativas do fim do século 20. O disco volta às lojas em edições comemorativas que fazem justiça à importância da obra: a mais cara, uma caixa recheada de faixas bônus e remixes, sai por R$ 1.760.

Antes de Achtung baby, o U2 era admirado (e criticado) por se levar muito a sério: conquistou a América praticando um rock de arena engajado, sem senso de humor. Criou hinos como Pride (In the name of love) e I still haven’t found what I’m looking for, vendeu 40 milhões de discos e se aproximou perigosamente da estagnação. “No fim dos anos 1980, éramos uma grande banda de rock em ruínas”, comenta Bono, no documentário From the sky down, incluído na reedição do CD. Ensimesmados pela reação negativa de parte da crítica ao disco Rattle and hum, de 1988, os irlandeses foram a Berlim — e renasceram como um grupo sarcástico, polêmico, pronto para ironizar o showbusiness que o alimentava.

Nos estúdios Hansa, onde David Bowie havia gravado o também surpreendente Low (1977), o U2 esperava encontrar inspiração para sobreviver aos anos 1990. O cenário parecia propício: a cidade — ainda abalada pela queda do Muro de Berlim — era um terreno quase surrealista. O fotógrafo Anton Corbijn aproveitou o cenário para compor os retratos saturados da capa do disco. E One nasceu quase no improviso, como que instigada pela paisagem alemã. Curiosamente, no entanto, a maior parte de Achtung baby tomou corpo na volta para casa, em Dublin.

“Berlim foi um batismo de fogo”, explica o baixista Adam Clayton, no filme dirigido por Davis Guggenheim e lançado na abertura do Festival de Toronto de 2010. “Descobrimos que procurávamos por algo mais misterioso, que não poderia ser encontrado simplesmente em outra cidade.” O golpe acertou em cheio as fantasias da banda. Vestindo óculos escuros e jaquetas pretas, Bono agora era The Fly, o mensageiro pós-moderno de uma época confusa, em que as imagens da Guerra do Golfo se mesclavam à programação fútil dos canais de tevê por assinatura. Na turnê Zoo TV, o público pagou ingresso para ver uma banda contracenando com dezenas de monitores de tevê.

Em vez de pregar diretamente contra o “estado de coisas” da cultura pop, o U2 pós-Achtung baby passou a lidar com o mal-estar de um jeito mais sinuoso: expôs o caos tecnológico para, assim, revelar o que existia de ridículo (e assustador) no mundo. Musicalmente, “contaminou” o próprio som com elementos de eletrônica e distorção, pescando referências da cena roqueira de Manchester, na Inglaterra, que encantava os críticos da época. “Lembro que os fãs estranharam muito o lado dançante do disco. Naquela época, qualquer subgênero que misturasse rock com eletrônica era discriminação”, observa Paulo Mesquita, 38 anos — que, desde 2003, é vocalista da banda cover U2 Elevation.

Efeitos surpreendentes
Interpretar no palco as faixas de Achtung baby é um desafio para o músico. “São canções com camadas e mais camadas de efeitos”, explica. “As mudanças são claras entre o U2 que existia antes do Achtung baby. Até a guitarra do The Edge ficou mais suja, distorcida”, explica. “Mas já estava nítido que as canções virariam clássicos. Eram muito boas. O U2 foi uma banda ousada, corajosa, mas não perdeu a qualidade musical dos discos anteriores”, afirma. O álbum, por isso mesmo, será a referência número 1 do primeiro disco autoral da banda Paulo Mesquita e os Brancos, com guitarras e nuances eletrônicas.

Mesmo para quem não está entre os fãs do U2, o disco é tratado como um caso à parte. Vocalista da banda brasiliense Judas, o paulistano Adalberto Rabelo Filho, 36 anos, admira mais o álbum que o grupo em si. “Eles resgataram uma estética de vanguarda. As letras têm um cinismo impressionante. Eles conseguiram captar o zeitgeist, o espírito da época”, explica. Para ele, Achtung baby representa um período em que a ousadia estava em alta na música pop. “Era a mesma época de Nevermind, do Nirvana. Existia um sentimento de reinvenção que o U2 soube notar muito bem”, comenta.

Depois da consagração de Achtung baby, que vendeu 18 milhões de unidades e produziu hits como Mysterious ways e Even better than the real thing, o U2 seguiu o caminho da experimentação em outros dois discos — Zooropa, de 1993, e Pop, de 1997 — e, numa nova guinada, tentou retomar o espírito oitentista em álbuns mais diretos e sentimentais, como All that you can’t leave behind (2000). Uma transformação que, em 1991, não teria provocado espanto num fã como Paulo Mesquita — e que possivelmente teria entediado Adalberto. “Os discos mais recentes do U2 não convencem tanto assim porque a banda já havia perdido a inocência. Soou superficial”, avalia o vocalista do Judas. Parece irônico: hoje, Achtung baby pode soar mais fascinante que… o próprio U2.

» Tributo luxuoso
» Será inevitável: a edição comemorativa de Achtung baby vai encher os olhos de fãs como Paulo Mesquita, ainda que não ofereça muitas novidades para quem já conhece em detalhes o U2 do início dos anos 1990. O documentário From the sky down é o maior atrativo, com uma reflexão (sem deslumbramento) sobre as gravações do álbum e a criação das canções. A “uber deluxe edition” também acompanha seis CDs — com lados B, remixes, o disco Zooropa e faixas demo —, quatro DVDs (incluindo um show da turnê Zoo TV, gravado na Austrália), uma versão em vinil do disco, um livro de 84 páginas e um par de óculos escuros parecido com o que Bono usava no palco. “Para fã, é imperdível. Mas tem muito item desnecessário”, admite Paulo, que não resistiu e comprou o “mimo”. O disco também é vendido em versão mais acessível: dois CDs, com o álbum original acrescido de faixas raras.

ACHTUNG BABY — ANNIVERSARY EDITION
Versão remasterizada do sétimo disco do U2. Produzido por Brian Eno e Daniel Lanois. Preço médio: R$ 45 (versão dupla), R$ 780 (super deluxe edition, importado) e R$ 1.700 (uber deluxe edition, importado). Lançamento Universal Music. *****

Fonte:
Tiago Faria