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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Para não durar



A produção desenfreada de coleções e a cópia delas pela redes de fast fashion têm levado estilistas a questionarem a forma como hoje a moda é feita e pensada. A rebelião contra o consumo exacerbado começou com os designers de fora e, aos pouco, começa a ecoar no Brasil
 (Zuleika de Souza/CB/D.A.Press)



























A moda está na moda. As pessoas nunca compraram tanto como nos últimos anos, há um número enorme de blogs e livros lançados sobre o assunto e até os designers viraram estrelas de filmes e reality shows. Da passarela para frente tudo parece estar em perfeito equilíbrio. Mas, nos bastidores, tem-se questionado muito sobre o rumo da indústria. No último ano, estilistas foram parar em hospitais psiquiátricos, empresas receberam acusações de usar trabalho escravo, marcas desistiram de desfilar nos principais eventos da área. Seria o fim do sistema que está há décadas em voga? “A moda é um fenômeno efêmero, ela nasce e morre constantemente e numa rapidez insensata. Quando começamos a nos identificar com seu jeito, ela já está propondo algo novo e instigante”, responde a coordenadora de moda da Faculdade Santa Marcelina, Raquel Valente.
O problema do sistema atual é simples. Há décadas as marcas apresentam suas coleções à imprensa e aos compradores seis meses antes que as peças cheguem às lojas. O tempo é o necessário para que os pedidos sejam feitos e as empresas consigam produzi-los. O esquema funcionava bem até as redes fast fashion aparecerem. Elas souberam usar esse gap no tempo a seu favor e descobriram a equação do sucesso: fazer roupas baratas, dentro das tendências e de maneira muito rápida. Esse tipo de marca que usa o tempo como principal aliado acompanha de perto as principais semanas de moda e se inspira — muitas vezes copia — naquilo que os estilistas apresentam. Além disso, conseguem produzir as peças e colocar nas prateleiras em uma velocidade incomparável — claro que, geralmente, com qualidade baixa.
Esse novo acerto incomodou os estilistas que criam moda. “Quando as minhas peças chegam às lojas, já foram copiadas tantas vezes por marcas mais baratas que a mulher que pode pagar pelas minhas roupa já enjoou de vê-las nos blogs e nas ruas. Perde-se o frescor da novidade”, avaliou Tom Ford em uma entrevista à revista Interview, no ano passado. Por isso, ele passou a fazer desfiles fechados a poucos convidados e sem fotógrafos. Assim, as imagens de suas coleções não vazam. Agora, é ele quem decide quando é melhor divulgar as fotos e tentar evitar — ou pelo menos adiar — a cópia de suas roupas. Mas Tom Ford não está participando dessa rebelião sozinho.
Esse novo sistema colocou uma pressão enorme em todos os estilistas. Agora, suas coleções, além de bonitas e comerciais, têm que ser diferentes de tudo aquilo que se vê nas ruas. Eles precisam pensar em maneiras novas de divulgação dos produtos e buscar maneiras de valorizar cada vez mais as suas marcas para que as pessoas comprem os itens originais e não as cópias. Enquanto alguns designers tentam amenizar o impacto se associando às populares fast fashion, com coleções específicas para elas, outros simplesmente abominam a atitude. “Eu não gosto da ideia de fazer uma cópia ruim da minha marca principal. Se eu tivesse uma ideia genial de desenvolver uma linha mais em conta e não parecesse uma cópia barata, eu faria”, revelou Miuccia Prada ao WWD.
A estafa mental dos estilistas não foi o único efeito da aceleração do ciclo de moda. Começou-se a questionar a baixa qualidade dos produtos e como isso tem afetado o mundo de maneira social e ambiental. Com as fast fashion, a roupa se transformou em um bem descartável. Outro problema que veio à tona em 2011 foi o uso de mão de obra escrava por empresas como a Zara. No Brasil, o fast fashion ainda não virou vilão. Mesmo assim, alguns designers decidiram reformular os seus desfiles e outros decidiram dar uma pausa, a exemplo do estilista Ronaldo Fraga e da marca masculina Reserva. “Resolvemos pular a edição do SPFW por acreditar que, assim, acrescentaremos valor ao sonho desta temporada. No inverno 2012, faremos uma sátira à falta de originalidade contemporânea”, justificou a Reserva ao anunciar a ausência no line-up.

Eles querem menos
Se existe uma crise na moda, há que se apontar seus protagonistas. E, embora o consumidor tenha sua parcela de culpa, quem anda se rebelando contra os moldes atuais tem sido os seus criadores. De um tempo para cá, alguns estilistas preferiram se retirar das passarelas — ou serem bem menos habitués delas — em nome de defender suas marcas ou simplesmente sair em busca de outro tipo de relação com a moda, menos comercial e mais pessoal. Lá fora, um dos primeiros a bater o pé contra o sistema foi Tom Ford. Em 2004, à época assinando as coleções femininas da Gucci e da maison Yves Saint Laurent, o designer desistiu. Foi se dedicar a outro tipo de arte: o cinema. Só voltou à moda em 2007, dessa vez desenhando para homens em sua marca própria. “Eu estava cansado da fórmula. É uma fórmula. É um bando de garotas sem expressão alguma no rosto, cujo caráter ainda nem se formou, e então você as deixa bonitas e as faz andar em direção a centenas de câmeras”, disse à revista Interview sobre o porquê do afastamento e da desilusão.
Depois de seis anos de exílio do vestuário feminino, voltou à semana de moda nova-iorquina em 2010 apresentando sua coleção primavera-verão. Mas não com um desfile comum. Apenas 100 pessoas tiveram acesso ao primeiro desfile feminino de Ford em anos. A imprensa, ao contrário da praxe, não divulgaria fotos dos looks nem o destrincharia em críticas na internet minutos depois do desfile. Isso porque o papel de criticar, segundo ele disse na mesma entrevista, no início do ano passado, deve ser de quem compra e não dos jornalistas, como manda o protocolo atual.
Em Paris, a voz da contravenção é dos estilistas holandeses Viktor Horsting e Rolf Snoeren, à frente da Viktor&Rolf. Eles ainda não se retiraram completamente das passarelas, mas se apropriam delas sempre que podem para alfinetar o sistema. Em 2003, por exemplo, a dupla lançou um perfume em um frasco cuja tampa não abria — uma irônica crítica aos tempos em que marcas valem mais que os produtos. Em 2008, desfilaram a coleção “No”, dizendo, literalmente, não à moda. A empreitada mais recente, na coleção de inverno 2011, mostrava modelos com os rostos inteiramente pintados de vermelho-sangue e roupas que lembravam armaduras de guerra. A ideia, como eles justificaram à época, era criar uma atmosfera de batalha. “A velocidade constantemente crescente da moda nos lembra sempre sobre o quanto é importante lutar pela nossa criatividade”, disse a dupla sobre o desfile em entrevista ao site especialista em moda Style.com.
Aqui no Brasil, onde a história da moda é bem mais recente e a principal semana fashion acaba de completar um quarto de século de vida, os estilistas também começam a se sentir incomodados. O primeiro a se manifestar foi o estilista Jum Nakao, em 2004, quando encerrou suas participações nas passarelas da São Paulo Fashion Week com o desfile Roupas de Papel, em que as modelos usavam saias e vestidos inspirados no século 19, minuciosamente confeccionados em papel brocado. Ao final, rasgaram as roupas de papel deixando boquiaberta a plateia. “A moda deixou de ter o papel que tinha, de segunda pele, e passou a responder a uma tendência, um conceito impessoal. Há que se pensar uma nova forma de se relacionar com ela”, acredita o estilista.
Em junho passado, ao apresentar o verão 2012, Pedro Lourenço também recorreu a uma apresentação menor, no Bar Baretto, em São Paulo. O desfile não tinha música, nem truques de luz ou cenografia, apenas a voz do estilista explicando cada peça e matéria-prima, como nos tempos de ouro da haute couture. Nessa estação, a São Paulo Fashion Week, que começa na próxima quinta-feira, terá com dois desfalques. Primeiro, Ronaldo Fraga anunciou uma folga de uma temporada para se dedicar a “palavras, risos, rabiscos e desenhos”. “A moda acabou? Pelo menos da forma como a conhecíamos, acredito que sim”, reflete o estilista na sua carta à imprensa. “O desenho de um novo tempo nos pede novas funções para roupas, corpos, móveis e imóveis.”
A Reserva, de vestuário masculino, também está fora do line-up do evento. A marca anunciou que quer fazer da coleção de inverno um “laboratório” para testar novos formatos. “Acreditamos que a sociedade consome não o que deseja, mas o que se forma de opinião”, diz o comunicado. À Revista, Rony Meisker, diretor criativo da marca, disse que a ideia é discutir tudo o que é sutilmente imposto como regra e que influencia a tomada de decisões pelo consumidor. “Em qualquer lugar, aponte uma seta em uma direção e todos correrão naquele sentido. O resultado? Chatice, mesmice. Ninguém se destaca. Na moda nacional, isso existe muito”, disse Meisker. “Aqui, infelizmente, a roupa é a protagonista e o consumidor coadjuvante. Nós achamos o inverso. Não acreditamos nisso, por isso não nos consideramos parte da moda nacional.”

Alta velocidade, qualidade questionável
 (Mandel Ngan/AFP)
Quando Tom Ford se retirou das passarelas, há oito anos, colocou parte da culpa na velocidade com que a informação sobre sua coleção proliferava-se pela internet e chegava até as araras de redes fast fashion muito antes que suas clientes pudessem pagar US$ 5 mil por uma peça original na loja. A roupa virou um bem descartável, ele diz, quando na verdade se esforçava em criar algo que fosse o oposto disso. A velocidade dessas redes, no entanto, venceu o designer. E há algum tempo vem ganhando o mercado saindo na frente ao disponibilizar tendências antes mesmo que seus criadores tenham a chance de exibi-las em manequins nas vitrines de suas lojas próprias.
A indústria de cópias é tão potente e frenética que, mesmo personalidades conhecidas pela elegância, acabam vítimas do sistema. Em novembro passado, a primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, escolheu um vestido da loja virtual Asos — conhecida pelas roupas baratas e, muitas vezes, “inspiradas” em criações alheias — bastante parecido com um desfilado por Diane von Furstenberg, estilista que já se manifestou contra a prática das cópias.
“É um sistema em que vence o mais forte. Não tem como pequenos estilistas competirem com grandes marcas como essas redes”, avalia o estilista brasileiro Jum Nakao. Com isso em mente, alguns designers resolveram testar o velho dito que prega: se não há como vencer o inimigo, o melhor a fazer é unir-se a ele. Assim, muitos fecharam parcerias com lojas de fast fashion. Lanvin vendeu uma coleção junto à H&M, Versace esgotou sua linha para a mesma rede e, no Brasil, Stella McCartney alinhou-se à C&A para uma coleção em que a peça mais cara não saía por mais de R$ 400. Além disso, Cris Barros e, recentemente, os estrelados Huis Clos, Martha Medeiros, Juliana Jabour e André Lima fizeram peças exclusivas para a Riachuelo. Agora, especula-se que John Galliano, ex-Dior, tenha fechado um contrato com a Zara, o que seria o mesmo que unir duas polêmicas: a do estilista condenado por antissemitismo e a da rede recentemente acusada de usar mão de obra escrava para baratear a produção.
O que se discute, no entanto, é se esse sistema já não está com os dias contados. Até mesmo porque as lojas de fast fashion não têm conseguido manter aquilo que mais leva o seu consumidor ao caixa: o preço. “A crise econômica fez subir o preço das matérias-primas, como o algodão, e aumentou os custos da produção. Consequentemente, o consumidor está mais cuidadoso. Além da velocidade, essas redes têm agora de focar em inovação e qualidade, que é o ‘extra’ que vai convencer o cliente a pagar mais caro por aquela roupa que antes era mais em conta”, analisa Katie Sturch, diretora de um dos bureaus de tendência mais importantes do mundo, o WGSN.
E é bom as redes se apressarem em encontrar o tal “extra”. Uma pesquisa feita pelo site Stylecompare.com, em abril passado e divulgada no britânico Telegraph, mostrou que os consumidores estão muito mais exigentes na hora das compras — as vendas caíram em média 21% nas lojas  e eles perceberam um aumento de 30% nas devoluções de roupas compradas em redes fast fashion, o que sugeriria que os compradores esperavam mais pelo dinheiro gasto.
Ao mesmo tempo, há quem veja com bons olhos a tomada do mercado pela “moda rápida”. Porque se não há como vencê-la pela velocidade, que seja pela qualidade, pelo conceito ou pelo atendimento. É o que prega, por exemplo, Jum Nakao. “Não vejo o fast fashion como algo nocivo. É, finalmente, hora de os estilistas repensarem sobre como gerar conteúdo por uma via que seja mais eficiente do que a velocidade”, pondera. O fast fashion, então, talvez seja o empurrão necessário para que se encontre um novo modelo para substituir esse quem vem sendo contestado. Enquanto isso, o mercado deve mesmo ser da velocidade. “Até que os designers encontrem um modo de acelerar a chegada dos produtos às lojas, as redes fast fashion continuarão a ter mais flexibilidade para saturar o mercado com os looks mais quentes”, atesta Katie Sturch, do WGSN.

Mentes perturbadas
Um estilista de uma grande maison francesa chega a produzir seis coleções por ano — duas de alta-costura, duas de prêt-à-porter e duas de meia-estação. Todas elas inovadoras e com bons lucros de venda. Essa rotina é tão pesada que não é difícil que alguns designers busquem refúgio nas drogas e no álcool. Alguns já foram internados por conta de depressão. No início do ano passado, o mundo da moda começou a discutir esse modelo de produção. Na época, fazia um ano do suicídio de Alexander McQueen e John Galliano havia sido preso. No mesmo período, Christophe Decarnin foi internado em um hospital psiquiátrico. “Você começa a entender por que alguns designers começam a fazer coisas estanhas, como falar sozinho. Você precisa achar uma maneira de lidar com tudo isso”, analisou em recente entrevista o estilista bom-moço Alber Elbaz, da Lanvin.

Marc Jacobs
 (Benoit Tessier/Reuters)
O estilista surgiu no fim dos anos 1980 já como um gênio incompreendido. Fez uma coleção grunge para a marca Perry Ellis, que foi supercriticada, e acabou demitido. Logo depois, entretanto, o estilo foi adotado, graças às bandas de rock, o que provou que o tiro de Marc era certeiro. Aos poucos, foi ganhando os críticos com as coleções desfiladas pela marca própria. Em 1997, assumiu a direção de estilo da Louis Vuitton. A pressão era grande. Na época, era pálido, cabelos compridos, usava óculos, era gordinho e acabou se viciando em drogas e álcool.  Em 2000, resolveu lidar com seus problemas e se livrou do vício, mas teve uma recaída em 2007. Foi só aí que mudou completamente. Fez dieta e virou adepto da malhação. Um caso de sucesso.


Alexander McQueen
 (Charles Platiau/Reuters)
O inglês era um dos estilistas mais inovadores. Além das criações sempre vanguardistas, os seus desfiles eram espetáculos. Mas sempre foi quieto e tímido. Dificilmente era visto em eventos de moda. Seus amigos diziam que era um gênio. Em 11 de fevereiro de 2010, alguns meses após a morte da mãe, ele se matou. Lee, como era chamado pelos amigos, era viciado em drogas e lutava contra o vício e a depressão. Seu legado foi imortalizado, no ano passado, em dois eventos. Primeiro o vestido de casamento de Kate Middleton com o Príncipe William, feito pela maison que ainda leva o seu nome. E depois uma exposição no Metropolitan Museum, em Nova York.



John Galliano
 (François Guillot/AFP)
Um ano após a morte de McQueen e uma semana antes dos desfiles em Paris, quem teve um surto público foi John Galliano, então estilista da Dior. Ele estava bêbado em um bar e iniciou uma briga com um casal na mesa do lado. A discussão acabou na delegacia e ele foi detido por antissemitismo. Dias depois, o tabloide The Sun divulgou um vídeo em que Galliano estava completamente bêbado dizendo que amava Hitler. A Dior anunciou a demissão do estilista no dia seguinte. Após o escândalo, ele se internou em uma clínica de reabilitação para se livrar do álcool e dos medicamentos. Em setembro do ano passado, foi julgado culpado por agressão verbal antissemita. Galliano teria de enfrentar seis meses de cadeia, mas pagou uma fiança de US$ 9 mil. Desde então, só apareceu em reportagem na Vogue, depois de fazer o vestido de casamento de Kate Moss.

Christophe Decarnin
 (François Guillot/AFP)
Em 2009, o estilista da Balmain fez um desfile que o consagrou como um dos mais importantes de sua geração. Suas jaquetas de ombro marcado fizeram a cabeça das celebridades e, da noite para o dia, a marca virou uma das mais caras do mundo. Em fevereiro de 2010, na semana de moda de Paris, Decarnin não apareceu na passarela para receber os aplausos. Os boatos diziam que ele havia sido internado em uma clínica para doentes mentais. A verdade é que ninguém sabe onde foi parar Decarnin. Alain Hivelin, dono da Balmain, disse à imprensa que ele estava sofrendo de exaustão. Desde a crise, ele nunca mais foi visto circulando no meio de moda.



O novo calendário brasileiro
 (Paulo Whitaker/Reuters)
O debate sobre mudanças no calendário oficial de moda no Brasil já ocorre há alguns anos. Especialistas sempre questionaram o fato de serem organizadas no país duas semanas de moda: Fashion Rio e São Paulo Fashion Week (SPFW). “É excelente para o Brasil ter dois polos de moda importantes. Mas é muito recurso para pouco retorno. Todo mundo ganharia se houvesse apenas uma semana de moda”, analisa Amnon Armoni, coordenador dos cursos de pós-graduação em moda da Faap. A discussão ficou ainda mais intensa quando Paulo Borges, que já comandava o SPFW, passou a ser o diretor criativo também do Fashion Rio, em 2009. Desde o primeiro dia que ele assumiu as duas semanas de moda, começou-se a especular sobre as mudanças. Durante muito tempo acreditava-se que os desfiles de verão seriam no Rio de Janeiro e os desfiles de inverno, em São Paulo.
Nesta temporada, o assunto voltou à tona. Isso porque Paulo Borges começou a consultar os estilistas, os patrocinadores e as marcas sobre mudanças no calendário a partir de 2013, por conta do Rio+20, da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Todos esses eventos ocorrem por volta de junho, perto da data das semanas de moda. Isso resultou em muita fofoca, e o ápice foi na terça-feira passada — primeiro dia desfiles do Fashion Rio — quando circulava o boato de que essa poderia ser a última edição de inverno do evento carioca. De agora em diante, seria apenas uma edição, a de verão.
Em coletiva de imprensa no mesmo dia, Paulo Borges desmentiu a informação. Mas confirmou que a partir de 2013 haverá mudanças no calendário. “Aproveitamos esses eventos para repensar as datas, essa era uma vontade antiga minha e do mercado. Agora, tivemos a oportunidade perfeita”, explicou. O desejo partiu após analisar o mercado consumidor brasileiro e descobrir que 80% da indústria da moda do país está voltada para a criação e a produção das coleções de verão. “O consumidor do Brasil, a cada dia que passa, está menos ligado se é roupa de verão ou inverno”, concluiu.
Por isso, o Fashion Rio vai ser voltado para o mercado de verão. Em 2013, teremos três edições do evento. A de inverno, em janeiro — a última da história —, a de verão, em maio, e a de alto-verão, em agosto ou setembro. A partir de 2014, as marcas cariocas que ainda quiserem desfilar o inverno terão espaço, mas no São Paulo Fashion Week. “Mas isso tudo são planos, estamos em negociação com os parceiros, os patrocinadores, as marcas”, esclareceu o diretor do evento, na coletiva.
Outra questão que é uma antiga reclamação refere-se às datas dos eventos. Tanto de inverno quanto de verão. Ao contrário das semanas de moda internacionais, que ocorrem seis meses antes dos produtos chegarem às lojas, no Brasil esse período é de apenas dois meses. “Essa data é complicada para os criadores, pois é pouco tempo para produzir uma coleção inteira. Por isso, fazemos um preview para os compradores antes de fazermos o desfile”, analisa a estilista Patrícia Vieira que apresentou a sua coleção de inverno para a imprensa em um desfile reservado para apenas 100 convidados — a maioria jornalistas — em um apartamento, na última segunda-feira.
Esse curto período transformou a semana de moda em um evento midiático, basicamente para apresentar a coleção e a marca ao público, deixando um pouco de lado a função comercial, que é o objetivo original de um desfile. Para resolver o problema, o ideal seria apresentar as coleções de inverno em novembro e as de verão, em abril. Assim as empresas teriam tempo hábil de produzir todos os seus pedidos.

Conhece de algum lugar?
Apropriar-se de tendências lançadas em passarelas por grifes icônicas é uma praxe do fast fashion. Gostou da estampa do último desfile do estilista preferido? Basta aguardar que a primeira rede do tipo lance sua versão a um preço bem mais modesto. Alguns casos que marcaram 2011:

As estrelas
 (Divulgação)
A estampa é criação da Dolce & Gabbana e foi desfilada em fevereiro, na semana de moda italiana, pela coleção de inverno da marca. Um vestido da grife custa, em média, US$ 2 mil, mas quem curtiu a mania não precisou pagar mais que R$ 50 para garantir a sua peça.



O ziguezague 
 (Divulgação)
O ziguezague que estampa de chinelos de dedo a peças de decoração é marca registrada da italiana Missoni e faz parte da história da grife. Mas isso não impediu que as redes fast fashion colocassem nas araras camisetas, sandálias e bolsas com o padrão estampado.



As listras 
 (Divulgação)
De repente, as araras se encheram de vestidos, saias e blusas com listras largas e coloridas. Até mesmo a brasileira Marisa fez sua versão “inspired” de um vestido nas mesmas cores desfiladas pela criadora da tendência, a Prada, na sua coleção primavera verão 2011. Na C&A, é possível comprar uma bolsa de mão listrada idêntica à original por R$ 79. A da grife italiana sai por US$ 556.



As “Célines” 
 (Divulgação)
A Céline virou a queridinha das bolsas. O modelo Boston encheu blogs de moda de rua e caiu no gosto das celebridades. Quando a shopper bicolor, uma sacola simples de couro, começou a dar as caras entre blogueiras, as fast fashion se adiantaram em fazer suas versões. A paulistana 284 tem uma versão “2 em 1”: uma shopper de tecido, com o ziguezague da Missoni.



Entrevista // Jum Nakao
 (Carlos Vieira/Esp.CB/D.A.Press)
O estilista tem que repensar como produzir moda
Que diagnóstico você faria do momento pelo qual passa a moda brasileira?
É um momento de grandes mudanças. A moda precisa se encontrar. Assim como na gastronomia, onde nós temos um grupo de pessoas que, mais do que apenas cozinhar, se interessa pela arte de cozinhar, de testar novas combinações e de fazer experimentações, o que leva a grandes conquistas, acho que na moda estamos indo pelo mesmo caminho — de sair de um formato que existe desde o século passado e buscando um formato mais contemporâneo, em que as pessoas começam finalmente a apreciar moda.

A proliferação do fast fashion alimenta a crise?
Não vejo o fast fashion como algo nocivo. Acho que é o que está mostrando às pessoas que esse modelo já não funciona mais, que vai atropelar a moda. Diante disso, o estilista tem que repensar sobre como produzir moda, como gerar conteúdo por uma via que seja mais eficiente do que a velocidade, porque esse mercado é extremamente competitivo e predador. É um meio onde o mais forte ganha. Nesse cenário, como uma marca pequena consegue sobreviver? Essa é a questão que está sendo trazida à tona, a de como eu vou conseguir produzir algo que me diferencie. 

O que poderia ser, por exemplo?
O fast fashion responde a uma necessidade numérica, de vender a tendência no menor tempo possível, ao menor preço e em grande quantidade. E, infelizmente, os mecanismos atuais permitem que essas redes detenham o mercado nas mãos. Mas a relação com o consumidor é fria. O produto está ali, em uma estante. Os estilistas talvez tenham que criar hoje uma relação mais próxima com o seu consumidor. O fast fashion não consegue essa capacidade de atendimento, de corresponder às necessidades pessoais de cada cliente. Mas isso também é um grande problema porque ainda não temos um consumidor que preze por esse valores imateriais, não numéricos.

E esse modelo de semanas de moda a cada seis meses, em duas temporadas? O calendário apertado não atrapalha o processo de pensar novos modelos e gerar novos conteúdos?
O problema não são os desfiles. É possível você levar para a passarela um conceito novo, uma criação com autoria. Não acho que o tempo seja problema, acredito até que seja um exercício de criatividade, que te obriga a se renovar a cada seis meses. Você trabalha o semestre inteiro e aí mostra o resultado. É normal. A semana de moda é uma plataforma, uma mídia, um espaço. Como você tem a bienal de arte, ou uma mostra de fotografia, você tem o desfile de moda. 

E por que parou de desfilar? Se a decepção não foi com o calendário, foi com o mercado?
Exatamente para executar essas mudanças que acho necessárias. Eu trabalhei 25 anos com moda. Queria habilitar pessoas para que elas executassem essas mudanças, através de palestras e workshops. Não adianta nada falar se ninguém consegue fazer. Você precisa se mexer, dar a ferramenta. Eu me desgostei comigo, não com o mercado. Colocar a culpa no mercado é mais fácil. O mercado é o mesmo desde que comecei. O que mudou foi a maneira de pensar. 
Fonte:Carolina Samorano e Olívia Meireles - CB