A CABEÇA DO CINEGRAFISTA E OS CABEÇAS DA
REPRESSÃO
seguinte comunicado, concluído em fevereiro de 2014 e de circulação interna do nosso grupo e seus
apoiadores, representa uma síntese sobre o clima ideológico-repressivo criado em cima da morte do
cinegrafista Santiago Andrade em uma manifestação no Rio de Janeiro. O material também esclarece
o papel da imprensa na guerra social, os sangrentos preparativos para a Copa do Mundo e os operativos
repressivos que já estavam em andamento e vieram à tona com a prisão dos 23 militantes. Enquanto
a bola rolava nos estádios, cabeças rolavam do lado de fora, com prisões, assassinatos de ativistas
(ex: Samuel Eggers no sul do país), medidas terroristas da polícia em bairros visados e o total apoio
da imprensa às atrocidades.Foi considerado um texto forte quando escrito e socializado.
Neste aspecto, o texto pode ser considerado até profético. Escancara as medidas repressivas que já
estavam em curso, encorpando o terrorismo de Estado que chegou ao ápice durante o Mundial de Futebol.
E que teve continuação contra novas manifestações entre o fim do ano e o início de 2015. A morte
do cinegrafista foi o perfeito elo de unificação entre todas as facções do capital, da “esquerda”
no governo federal à “direita”, eleita ou não, aliada ou na oposição; seja nos estados, cidades ou
no Congresso. Também insinua a “zona cinzenta” sobre os autores da ação: eram infiltrados?
Mas uma das características mais interessantes é que, além da caracterização do período, mostrando
como ocorreu o desmonte dos protestos de 2013-2014 pela “esquerda” do capital em parceria com a
“direita” que tanto diz odiar/combater, o texto mostra como apareceu o fenômeno conhecido meses depois
como “avanço da direita”. Esse “avanço da direita”, alimentado, favorecido e induzido pelo próprio
PT e seus aliados (dos anarcoides às organizações que se intitulam “movimentos sociais”) é o discurso
de chantagem que Dilma usou para ser reeleita. Como a revolta de 2013 mostrou a identidade e o interesse
comum de todas as facções capitalistas, dos coxinhas de “direita” e de “esquerda” em manter a ordem
vigente, nada melhor do que fabricar um monstro para depois se passar por remédio contra ele. E a
“direita” brasileira, que por décadas foi somente uma direita intelectual e eleitoral, conseguiu
finalmente ter a chance única – ofertada pelo PT – de se tornar também uma direita militante. O desgaste
do PT resultante de anos de escândalos de corrupção e ataques às condições de vida dos trabalhadores,
necessariamente causaria movimentos no sentido oposto, - que a “direita” finalmente tentou arrebanhar
com um sucesso parcial, porém considerável.
Durante as eleições, essa mesma “direita” usou os meios mais apelativos para vender sua imagem de
“salvação” contra a corrupção e a “incompetência administrativa”; sinônimos de ineficácia repressiva
contra os trabalhadores e incapacidade lucrativa para patrões nacionais e internacionais. O governo
Dilma usou meios tão ou mais apelativos para se passar por “última defesa” contra o “fascismo” e
contra o corte no Bolsa-Família. A receita demagógica deu certo: muitos que estavam lançando molotovs
contra o PT em 2013 e que se diziam até “revolucionários”, estavam lá, de joelhos, chamando a votar
na presidente. As manobras de ataque contra toda a população trabalhadora do país, inadiáveis e de
execução obrigatória fosse qual fosse o vencedor das eleições, permaneceram inalteradas. Aumento
tríplice dos juros até fevereiro de 2015, ataques aos aposentados, cortes de indenizações
trabalhistas, dilapidação e abandono das obras infra-estruturais, achatamento salarial, inflação,
recessão, demissões em massa, alta dos combustíveis, alta nas tarifas de transporte, cortes
generalizados de verbas, alta dos impostos, apagão, falta d’água (não só em São Paulo). Enfim, agora
vemos os desenvolvimentos de toda a dinâmica iniciada um ano antes.
Como bode expiatório e espantalho para semear pânico eleitoral, a burguesia precisava apresentar
o governo Dilma como oposição a alguma coisa, já que ele não tinha como disputar contra si próprio.
A “direita” que os “apartidários” do MPL deu carta branca para infiltrar os protestos – obviamente
para conter os revolucionários incluídos neles – mostrou oficialmente sua cara a partir de fevereiro
de 2014. Há no texto uma descrição da escória de linchadores, patriotas, sequelas fascistas e apóstolos
do regressismo: sobre como ela se formou e como foi sendo encorajada pelo terrorismo de estado que
o PT desatou contra os trabalhadores. A título de exemplo, fevereiro de 2014 coincide não só com
o esfriamento generalizado dos protestos, mas com o “efeito Sheherazade” que culminaria em uma onda
de matanças/pogroms nas diversas periferias do país. É a função histórica da “esquerda” do capital,
da social-democracia: reprimir a classe trabalhadora enquanto usa um discurso filantrópico, deixando
a mão livre à “direita” que na oposição realiza um terrorismo preparatório, enche as ruas de sangue
como treino ao exercício posterior do poder.
O texto não mostra de forma muito detalhada tal colaboração em termos repressivos entre “esquerda”
e “direita” que se tornou transparente e sem disfarces com a ordem do MTST para anular/impedir
ocupações em S.Paulo durante a Copa e facilitar o ação da polícia. Entretanto, já esclarece as linhas
gerais do que veio depois. A sensação em torno de “ameaças do PCC na copa” também é mencionada.
Antes de finalizar, uma observação crítica sobre violência de classe e sobre a exploração
sensacionalista então realizada com aquela morte. Em diversos episódios historicamente conhecidos
da luta de classes, houve ações armadas que erroneamente eliminaram alvos indesejados. Tais ações
foram imediatamente aproveitadas por todos os burgueses de “direita” e de “esquerda”, que primeiro
ensejaram campanhas “anti-terroristas”, nada mais que ofensivas terroristas de organismos policiais
e militares contra dissidentes e divergentes de todos os tipos. E depois serviu para respaldar o
oportunismo dos inimigos de sempre dos trabalhadores, que sempre correm com sua argumentação inútil
em favor do pacifismo, excomungando qualquer resposta armada ao terrorismo capitalista. Argumentação
inútil, porque a luta de classes é necessariamente violenta e não serão algumas palavras de moderação
que vão impedir os trabalhadores quando as condições se apresentam; a necessidade impõe o exercício
da sua auto-defesa e sua resposta armada aos mercenários da ordem.
Para lembrar os casos mais notórios, quatro podem ser mencionados: o ataque de Émile Henry ao Café
Terminus de Paris, em 12 de fevereiro de 1894; o atentado à bomba no Teatro Diana (Milão, 23 de março
de 1921), atentado que serviu de pretexto para uma onda de ataques fascistas contra grupos e redações
de jornais identificados como revolucionários pelos agressores; a execução, pelo Colina de um oficial
alemão confundido com o general Gary Prado, assassino de Che Guevara, no Rio em 1968; e o ataque
com molotovs durante a manifestação de 5 de maio de 2010 ao banco Marfim, em Atenas, causando incêndio
que matou 3 funcionários. Em todos os casos mencionados, como na morte de Santiago Andrade, atos
sanguinários das autoridades para vingar as mortes foram realizados e multiplicados buscando
legitimidade nas mortes de alvos civis, sem prejuízo do uso das mortes como propaganda para espalhar
o pânico e delações de opositores. Obviamente que em todas as situações, sempre há um quê de
desinformação nas campanhas de pânico da imprensa que acompanham as ofensivas policiais, militares
e paramilitares. No banco Marfim, os funcionários morreram mais pela iniciativa do gerente, que
impediu a saída dos empregados, trancando a agência. Para o chefe, tinham que trabalhar mesmo no
meio do incêndio. No caso do fuzilamento do major alemão no Rio em julho de 68, o mesmo participava
junto com Gary Prado de um curso militar internacional(oferecido pela ditadura brasileira com apoio
de militares europeus), de aperfeiçoamento em conhecimentos repressivos aos exércitos
latino-americanos. Ou seja, não estava no Brasil a turismo. Mas a escolha e a oportunidade dos alvos
citados foram desastrosas.
Na pressa da confusão e paranoia que as autoridades escandalosamente difundem, muitas informações
são apagadas e o estrago à reputação dos revolucionários já está feito. É em meio a tal sensacionalismo
que os oportunistas; a grande maioria se passando por “esquerdista”, vai idolatrar a renúncia à
violência revolucionária, vai condenar manifestações, e vai confessar involuntariamente sua própria
colaboração com as autoridades como equivalente à dos melhores “direitistas”. Geralmente elogiando
as ações da polícia contra os “culpados” depois e, sendo os primeiros a reconhecer como legítima
a violência do Estado que dizem combater. Porque seria uma violência para defender os “inocentes”,
as “conquistas sociais” e brecar os “radicais”, os “desequilibrados”. E foi o discurso de oportunismo
e desarmamento que acompanha as represálias estatais, o proselitismo da direita que deram passo para
Copa, eleições e sangria econômica contra os trabalhadores - com tão pouca e tão desorganizada
resistência proletária. Se hoje estamos em uma época abertamente contra-revolucionária e de
estagnação das lutas sociais no Brasil, devemos tal conclusão à onda repressiva iniciada por aqueles
que dizem estar nas nossas fileiras para melhor nos golpear. Tal tendência se esboçou um ano antes.
Redação