As fortes pressões no sentido de elevação dos tetos dos valores dos imóveis e da renda das famílias que balizam o acesso ao PMCMV devem, entretanto, continuar presentes. Isso porque os retornos da atividade imobiliária são maiores nas faixas superiores de renda do programa, cujo mercado tende a se estreitar diante da escalada de preços de terrenos e de imóveis.
A busca de aperfeiçoamento do programa é fundamental, sobretudo no sentido de viabilizar o atendimento da chamada Faixa I (isto é, de famílias com rendas de até R$1.600), posto que o déficit habitacional brasileiro de 5,5 milhões de unidades (Pnad 2008), segundo cálculo da Fundação João Pinheiro (FJP), é composto em 89,6% por famílias com renda mensal de até 3 Salários Mínimos. Todavia, para essas famílias, a solução adotada pelo programa – a de produzir unidades habitacionais e entregá-las às famílias em troca de uma contrapartida financeira equivalente a 5% da renda familiar por 10 anos – tem se mostrado de difícil implementação do ponto de vista da oferta.
Segundo a CAIXA, das 1.691.626 unidades habitacionais contratadas entre abr/09 e mai/12, somente 677.769 unidades destinavam-se à Faixa I. Ou seja, 42% da meta do programa, somadas suas duas fases, que prevê a destinação de 1,6 milhão de unidades para esse segmento. Recentemente a meta desta faixa tornou-se ainda mais ambiciosa, elevada para 2 milhões, o que, todavia, ainda que cumprida, não equaciona o déficit habitacional. Além disso, o desempenho obtido frente às metas regionais é bastante assimétrico, sendo os piores resultados encontrados nas Regiões Sul e Sudeste.
A resposta ao problema não parece ser o aumento contínuo de limites de preços. Ainda que existam poucas evidências da formação de uma “bolha” imobiliária no Brasil, em função do ainda baixo nível de crédito habitacional e da ausência de índices de preços imobiliários confiáveis e abrangentes, é preciso reconhecer a responsabilidade de o governo, ao validar a elevação dos preços dos imóveis com o reajuste dos limites de seus programas, reforçar o processo de valorização imobiliária.
Esse curso de ação pode colocar em risco, a própria sustentabilidade do programa, pela erosão dos orçamentos dispensados, compromentendo o equacionamento do déficit habitacional. A expansão do PMCMV e seus subsídios para rendas mais altas, além de socialmente injusta, agrava a atual situação. Tivemos essa experiência nos anos do BNH, conhecemos o seu resultado e não devemos repeti-la.
Além disso, a experiência internacional demonstra que existem outras formas de enfrentar a questão habitacional, além da entrega de unidades prontas e acabadas. O Plano Nacional de Habitação, finalizado em 2008 e elaborado com horizonte temporal para até 2023, previa uma gama mais variada de soluções para o atendimento dessas famílias, respeitando também as diferenças regionais.
Estudos sugerem que a expansão da oferta de novas unidades não é o único caminho para o enfrentamento do déficit habitacional. De acordo com a FJP, em 2008, o segundo maior componente do déficit, responsável por 34% do total, era o ônus excessivo com aluguel (mais de 30% da renda). No Sudeste, Centro-Oeste e Sul do país, o ônus xcessivo era o maior componente do déficit, representando 48%, 43% e 38% respectivamente.
Estudo de Magalhães Eloy & Paiva, com base na PNAD 2009, aponta para um crescimento deste componente, passando a representar 39% do déficit habitacional total. Este componente exprime uma condição de financial burden, a rigor, uma situação que poderia ser enfrentada sem a construção de novas unidades, em franco contraste com os demais componentes do déficit habitacional que requerem, de fato, o incremento do estoque habitacional – a coabitação familiar, a precariedade (rústicos e improvisados) e o adensamento excessivo em imóvel alugado.
Alterações no PMCMV devem calibrar o incentivo à construção de moradias – que tem papel importante como dinamizador da economia – com a universalização do acesso à moradia digna, meta máxima da nossa Política Nacional de Habitação. Para isso, é imperioso aliar as políticas de subsídio habitacional a políticas fundiárias e urbanas, que mobilizem os instrumentos de inserção urbana com a elevação do número e da qualidade da produção habitacional recente. Somente dessa forma o governo poderá mitigar a apropriação dos subsídios pelos agentes dos mercados fundiário e imobiliário por meio da elevação dos preços.
* Claúdia Magalhães Eloy é urbanista, participou da formulação do Plano Nacional de Habitação (2008) – Ministério das Cidades. Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo na FAU-USP.
* Rafael Fagundes Cagnin é eonomista da Fundação do Desenvolvimento Administrativo do Estado de São Paulo (Fundap-SP), Doutorando em Economia na Universidade Paris 13 (França)
Notas:
(*4): Ver, por exemplo, NERI, Marcelo (coord). “Os emergentes dos emergentes: reflexões globais e ações locais para a nova classe média brasileira”. FGV/SP, junho de 2011. (http://www.cps.fgv.br/cps/brics/)
(*5): Sobre a evolução recente dos empréstimos do SFH, ver, por exemplo, CAGNIN, Rafael F. (2012) “A evolução do financiamento habitacional no Brasil entre 2005 e 2011 e o desempenho dos novos instrumentos financeiros”. Boletim de Economia da Fundap, n. 11 (http://novo.fundap.sp.gov.br/arquivos/PDF/Boletim_de_Economia_11_COMPLETO.pdf).
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