Após 20 anos do início da Guerra da Bósnia, familiares das vítimas do genocídio de Srebrenica, maior símbolo do conflito, marcaram o aniversário do massacre com um aceno de justiça. Como fazem há 17 anos, os muçulmanos bósnios lembraram, na última quarta-feira, os mortos do massacre cometido entre 11 e 16 de julho de 1995. Foi a primeira vez que a homenagem foi prestada com os dois principais responsáveis pela chacina — os líderes sérvio-bósnios Ratko Mladic e Radovan Karadzic — no banco dos réus. Na ocasião, 520 famílias puderam finalmente enterrar os restos de seus entes queridos, só agora encontrados e identificados. A atrocidade foi cometida por tropas sérvias após tomarem o reduto muçulmano de Srebrenica, que era tratada pelas Nações Unidas como “zona de proteção”, a poucos meses do fim do conflito. Estima-se que cerca de 8 mil homens e adolescentes tenham sido assassinados.
Acusados dos mesmos crimes, o general Mladic, 70 anos, e o dirigente político Karadzic, 67 anos, permaneceram foragidos por anos, mas agora são julgados pelo Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia (TPII), em Haia (Holanda). Na última segunda-feira, a primeira testemunha no processo de Mladic foi ouvida, mas o processo foi suspenso após a hospitalização do acusado, que desmaiou na Corte. O processo deverá ser retomado amanhã. O general ganhou o apelido de “açougueiro dos Bálcãs” e passou 16 anos foragido, até ser preso na Sérvia, em 2011.
Karadzic foi encontrado em Belgrado em julho de 2008. Em junho passado, a defesa conseguiu que fosse retirada uma das acusações, mas ele continua a ser julgado pelo genocídio de Srebrenica, além de mais nove crimes contra a humanidade e crimes de guerra cometidos durante a Guerra da Bósnia (1992-1995). O conflito deixou 100 mil mortos e 2,2 milhões de deslocados.
Em 1990, nas primeiras eleições livres da Iugoslávia, forças nacionalistas venceram nas diversas repúblicas que integravam a federação comunista. Na Bósnia-Herzegovina, formou-se um governo multiétnico, composto por muçulmanos, sérvios e croatas e presidido pelo bósnio Alija Izetbegovic. Em outubro do ano seguinte, o parlamento bósnio declarou a independência.
Os sérvios, opositores do novo Estado, romperam com o governo multiétnico e anunciaram a intenção de permanecer na Iugoslávia ou em uma Grande Sérvia, que incluiria partes da Bósnia e da Croácia. Na tentativa de contornar a crise, o governo bósnio convocou em 1992 um plebiscito, boicotado pelos sérvios. O país passa a ser reconhecido pela União Europeia e pelos Estados Unidos, mas submerge na guerra civil.
No início do conflito, os sérvios se opunham a uma aliança muçulmano-croata e recorreram à prática que ficou conhecida como "limpeza étnica" — a remoção forçada, e eventual assassinato em massa, das etnias rivais. A operação deixa um rastro de foragidos, campos de concentração e cemitérios clandestinos. Croatas e bósnios também cometeram massacres, mas em menor escala. O governo bósnio pede uma intervenção externa, mas recebe apenas ajuda humanitária.
Em 1993, a Croácia entrou na guerra e reivindicou parte do território bósnio, mas logo voltou-se contra a Sérvia. A Organização das Nações Unidas (ONU) enviou uma força de paz, mas no mesmo ano os sérvios dominavam 70% da Bósnia. Somente dois anos depois a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) interveio no conflito, com cobertura da ONU, bombardeando posições sérvias. Derrotas militares sérvias em território da Croácia e da Bósnia equilibraram as forças e facilitaram a costura de uma proposta de paz pelos Estados Unidos. A guerra terminou em novembro de 1995, com a assinatura do Acordo de Dayton.
Fonte:Renata Tranches