Especialista afirma que falta de planejamento
urbano e infraestrutura para comércio e serviços condena moradores à
exclusão
DA REDAÇÃO
O principal programa habitacional criado pelo governo federal,
reconhecido como importante indutor de crescimento, não contempla uma
série de questões que deveriam ser observadas para a garantia de seu
sucesso. Com a previsão de construção de dois milhões de casas até 2012,
segundo especialista em urbanização, o projeto erra estrategicamente
por não oferecer uma integração desses bairros à sociedade, se tornando
um programa apenas de construção, e não de moradia. “O único objetivo do
poder público é suprir a necessidade básica de habitação, como se esta
fosse uma questão apenas de espaço. Não são consideradas as necessidades
mínimas de quem reside nesses lugares. Falta um planejamento completo,
que garanta a geração de renda e movimente a economia local”, afirma
Sérgio Pereira Guimarães Júnior, especialista em urbanização e diretor
da Vallor Urbano. Para ele, a falta de preocupação com a inclusão de
comércio, áreas verdes, infraestrutura e mobilidade urbana, resulta na
segregação da população de baixa renda e pode gerar em alguns anos o
mesmo problema enfrentado atualmente na Europa, onde estão acontecendo
revoltas de jovens estudantes por falta de emprego e acesso à saúde e
moradia. Da Redação
Sem infraestrutura esses conjuntos podem virar núcleos de criminalidade, com baixa qualidade de vida
A construção de um bairro deve levar em consideração vários pontos, como a destinação de áreas comerciais e institucionais, que garantem a capacitação profissional para os moradores dessas comunidades e também a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho. No caso da Europa, o descaso com as regiões é um dos principais fatores para as revoltas. “São bairros extremamente distantes, ocupados por uma juventude, que em função da crise econômica local, não tem possibilidade de trabalho e reclama justamente da falta de estrutura de onde moram e das dificuldades de acesso aos serviços públicos” explica Sérgio Pereira. De acordo com o especialista, o fato do desenvolvimento da vida não ser pensado nesses locais, também faz com que nesses programas habitacionais a taxa de rotatividade e inadimplência sejam altas. “É como se o governo batesse um carimbo de social na testa do cidadão, marginalizando-o. O que é feito diminui expectativas e possibilidades, condenando-os à mesmice e ao conformismo”, afirma Sérgio Pereira.
Em São Paulo, um exemplo de projeto mal sucedido é a Cidade Tiradentes, onde um grande aglomerado de pessoas foi “jogado” naquele local, sem as devidas estruturas de comércio ou serviços. Outro caso é verificado no Rio de Janeiro, na Cidade de Deus, onde se desenvolveu a criminalidade. Segundo Sérgio Pereira, o poder público não proporciona as mínimas condições para que essas pessoas vivam nesses locais. “Não existe uma preocupação com a criação de uma estrutura urbana para que essas novas áreas nasçam como bairros”, explica. São locais que têm a presença do estado como um construtor apenas, mas depois disso, não há a oferta de serviços públicos, prefeitura e educação. “Essas ações podem gerar núcleos para criminalidade, com baixa qualidade de vida, condenando essas pessoas a nenhuma inserção na sociedade”, sinaliza Sérgio Pereira.
O especialista também aponta a falta de uma consciência comunitária nas comunidades locais como um fator negativo, independentemente da falta de estrutura e planejamento. Segundo Sérgio, a criação de um corpo de comunidade com a formatação de uma liderança com regras de convívio são indispensáveis para o desenvolvimento dessas regiões. “Nós importamos programas habitacionais como os do México e Chile apenas no que se refere à construção, mas não copiamos o modelo social fundamental de organização”, analisa Pereira. Ações para a criação de uma organização comunitária custam muito pouco e se referem ao planejamento da vida da sociedade. Um trabalho não imputado a construtoras e empreiteiras, mas por empresas especializadas em urbanização e organização de sociedades.
O assunto sustentabilidade, tão discutido nos dias atuais, também está fora de cogitação no programa. No Minha Casa Minha Vida, também não há a destinação de áreas verdes, arborização de vias ou preocupação com a permeabilidade do solo, características essenciais na construção de um bairro. “As pessoas falam tanto em sustentabilidade e práticas de meio ambiente, e nós não vemos esses princípios no maior programa habitacional do governo”, comenta Sérgio Pereira. A falta desses itens compromete a qualidade de vida da população e gera problemas relacionados à saúde dos cidadãos e à infraestrutura como enchentes. “Se não pensarmos a vida do ponto de vista de quem vai habitar, o produto se tornará inviável”, aponta o especialista em urbanização.