Já no Tribunal de Justiça, segundo a assessoria de imprensa do órgão, o grupo El Corte Inglés fornecerá a tecnologia para o Centro Integrado de Monitoramento a ser inaugurado em dezembro próximo, na Lâmina I da sede no centro do Rio. O projeto, segundo informou Lopes, será bancado pelo Bradesco, que assumiu a folha de pagamento dos servidores do Poder Judiciário do Rio. O tribunal não quis revelar o custo e nem entrou em detalhes se a escolha do grupo espanhol foi mediante alguma licitação.
Viagem ao México
No caso do Tribunal de Justiça, a contratação da rede espanhola mais conhecida mundialmente por vender em suas lojas roupas, alimentos, produtos eletrônicos, de informática, brinquedos e pacotes turísticos, foi precedida por uma viagem ao México do presidente da corte, desembargador Manoel Alberto, com seus assessores e servidores da área de Tecnologia da Informação (TI) do Ministério Público.
Como explicou Lopes aos seus colegas promotores e procuradores, eles foram conhecer o sistema de monitoramento eletrônico da fronteira daquele país com os Estados Unidos, executado por um dos braços do grupo El Corte Inglés. O MP enviou alguns técnicos na caravana. Questionado, o Tribunal de Justiça calou-se sobre esta viagem.
Os recursos alocados pelo contratante não se qualificam como dinheiro público
CNMP investiga o caso
Na Procuradoria Geral de Justiça a iniciativa de Lopes de negociar o pagamento pelo Banco Itaú destas despesas em troca da renovação do contrato de administração da folha de pagamento da PGJ, está sendo questionada por alguns dos seus pares.
Lopes tenta creditar tudo à disputa eleitoral que vinha sendo travada em torno da sua sucessão, o que fez com que o Jornal do Brasil retardasse a publicação desta reportagem para evitar possível influencia no pleito.
Na eleição ocorrida na segunda-feira, venceu o ex-procurador-geral de Justiça Marfan Viera, com 429 voto, ou seja 32 a mais do que o candidato de Lopes, o subprocurador Antônio José Campos Moreira, A terceira concorrente, a subprocuradora Leila Machado Costa recebeu 203 votos. Participara da eleição 873 promotores e procuradores de Justiça, sendo possível o voto em duas ou até três pessoas.
Afirma ainda o procurador-geral que “este contrato de renovação com o Itaú já foi submetido não só ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) como foi questionado perante o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que também chancelou”, a situação é diversa.
O TCE, segundo nota da sua assessoria de imprensa, “o tribunal ainda não se manifestou sobre a renovação do contrato, nem sobre a permuta pelo sistema de segurança. O processo está em análise”. É esta a informação prestada pela assessoria do Conselho.
Já o CNMP, a conselheira Maria Ester Henrique Tavares, em maio passado, analisou a prorrogação do contrato de administração da folha de pagamento pelo Banco Itau até 2015, tendo ela declarado que não vislumbrava ilegalidade na aprovação do que foi acordado. Mas, durante inspeção realizada na Procuradoria, em novembro, o contrato de renovação com o Banco Itaú “foi um dos selecionados para analise”, conforme explicou nota da assessoria de imprensa. E até o momento, não houve um pronunciamento oficial sobre a sua validade.
Contrato não disponibilizado
Não bastasse a análise do contrato pelo grupo que realizou a inspeção, no CNMP, há outro procedimento em torno do mesmo caso. No dia 3 de dezembro, as promotoras Glaucia Maria da Costa Santana e Adriana Coutinho Santos deram entrada com uma Reclamação (RIEP 1436/2012-68), na qual alegam “inércia do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em atender, com fundamento na Lei do Acesso à Informação, solicitação de disponibilização de procedimento administrativo firmado com o Banco Itaú para exclusividade na prestação de serviço financeiro da folha de pagamento de seus membros e servidores”.
As duas promotoras levaram ao Conselho uma queixa que outros colegas delas fazem: o procurador-geral recusou-se a tornar público o texto dos contratos firmados com o banco. Para o subprocurador de Justiça Campos Moreira, a queixa das suas duas colegas foi uma jogada meramente política na campanha eleitoral. Ele garante que o contrato sempre esteve à disposição da categoria.
Contrato de 2003
O primeiro contrato com o banco foi firmado em 2003, ainda como o antigo Banco do Estado do Rio de Janeiro (BANERJ), sendo interveniente o Banco Itaú S.A, que havia adquirido o controle acionário do antigo banco estatal. Este acordo venceria em dezembro de 2010, mas em maio daquele ano foi renovado por mais um ano, isto é, até dezembro de 2011.
Vencido esta renovação, poderia ocorrer uma nova disputa, como fez o governo do Estado do Rio que acabou optando pelos serviços do Bradesco. O Tribunal de Justiça também optou pelo Bradesco. Mas o Ministério Público preferiu renovar o contrato com o Itaú por mais 48 meses.
Segundo a análise da conselheira Maria Ester, pela lei 8666/93, o contrato poderia ser renovado por até 70 meses, o que permitiu a renovação acertada por Lopes,
Embora o contrato tenha sido renovado a partir de dezembro passado, o acordo com o Itaú, porém, só foi comunicado aos demais procuradores e promotores em setembro de 2012. Por um e-mail encaminhado à categoria no dia 18 daquele mês, Lope informou que o esquema de segurança montado pelo grupo espanhol custará anualmente ao banco privado R$ 20,9 milhões, valor que a instituição financeira pagará diretamente ao El Corte Inglés.
Como a negociação girou em torno de R$ 22 milhões e o banco pagará menos ao grupo espanhol, o restante da quantia estimada – R$ 1.094.018,16 – “foi legitimamente depositado em favor do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Desse modo, foi integralmente cumprida a execução da contrapartida avençada pelos pactuantes”, explicou Lopes em um segundo e-mail enviado aos colegas.
Como se verá adiante, o que alguns promotores e procuradores questionam, é o motivo de toda a verba não ter sido entregue à Procuradoria para administrá-la da melhor maneira possível.
Verba para Fundação Escola
Houve, porém, mais dinheiro envolvido na negociação. Outros R$ 4 milhões foram repassados pelo banco para Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Rio (FEMPERJ), a título de cota pelo patrocínio de eventos destinados à categoria. A FEMPERJ, embora ligada à Procuradoria, é uma entidade de caráter privado. Parte desta verba já veio sendo usada em encontros da categoria em hotéis luxuosos do Rio de Janeiro.
Um das questões levantadas entre membro da categoria é a legalidade de a FEMPERJ, que é um ente privado, beneficiar-se diretamente de um “acordo” feito por um órgão público. O procurador de Justiça Sérgio Nogueira de Azeredo, através de correspondência aberta aos seus pares, questionou: “Em outras palavras, não constituiria tal operação uma doação indireta do MPRJ à FEMPERJ?” Procurado pelo Jornal do Brasil, Nogueira não deu retorno.
“Já que todos os anos nós pedíamos que o banco patrocinasse nossos eventos, agora não precisa mais pedir. Legalizamos isto. Eles deixaram um dinheiro previsto, inclusive para as próximas gestões. Dinheiro que será dado em quatro anos. São estes R$ 4 milhões, É outra coisa, uma contraprestação a mais”.
Contratação sem licitação
O questionamento mais forte de procuradores e promotores, porém, está nos motivos que levaram a Procuradoria a deixar por conta do banco a criação do projeto de segurança para a instituição, bem como a contratação da empresa, que foi escolhida a bel prazer da instituição financeira. A pergunta que ficou no ar é se não seria mais transparente o dinheiro ser repassado ao Ministério Público para que sua aplicação fosse administrada pela instituição, inclusive com a contratação das empresas através de licitações.
Insistiu ainda que “os recursos alocados pelo contratante não se qualificam como dinheiro público, vez que se originam do patrimônio de pessoa regida pelo direito privado”.
Ele mesmo, porém, admitiu que o dinheiro poderia ser pago diretamente ao Ministério Público e administrado pela sua equipe. Na sua mensagem disse: “no momento da prorrogação do contrato de serviços financeiros celebrado com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, impõem-se esclarecer que a oferta teve caráter alternativo, o Banco poderia transferir o valor dos R$ 22 milhões para crédito em conta ou cumprir uma obrigação de fazer, que consistiria no custeio de projeto de sistema de segurança a ser implantado na instituição por empresa escolhida pelo Itaú".
Gasto escamoteado
Ao Jornal do Brasil, o procurador-geral, depois de insistir muito que não há dinheiro público na questão, deu a entender que o dinheiro na conta da Procuradoria poderia acabar sendo mal aplicado, deixando de ser utilizado em um benefício que permanecerá para o resto da vida e sendo “escamoteado” em pagamentos de vantagens aos promotores e procuradores.
“Eu poderia ter pego o dinheiro? Poderia. Mas o dinheiro que tivesse entrado aqui, em vez de ficar um legado físico, poderia até ter virado vantagens para membros. Poderia ter servido para escamotear pagamento de atrasados, de vantagens. Eu não queria isto, eu queria deixa uma obra, deixar uma coisa que não tem. Entende a diferença?”, questionou.
Em outro momento, insisti+u: “Este dinheiro, se tivesse entrado para o MP, poderia servir para comprar computador, fazer outras coisas, porque estaria absolutamente dentro do meu poder de discricionariedade. Agora, como era um dinheiro que não estava previsto, ia sobrar. Poderia utilizar este dinheiro para comprar computador, automóvel, construir sede. Como é um dinheiro extra, iam me sobrar 20 milhões, Com estes 20 milhões eu poderia fazer o que eu quisesse, pagar vantagens atrasadas para membros, fazer coisas”.
Para reforçar sua tese, acabou apelando para um argumento que, de certa forma, choca-se com a função constitucional do MP de fiscal da Lei. Repetindo a tese de que o uso do dinheiro pela Procuradoria poderia não se transformar em um beneficio concreto à instituição, recorreu, inclusive, ao fato de que as dificuldades se dariam no cumprimento da lei de licitação:
“Na verdade, o dinheiro, não é que ele fosse sumir, mas ele não ia ficar materializado e a ideia é que ele ficasse materializado. Nós não tínhamos um projeto de segurança institucional e, de repente, tivemos a oportunidade de ter, e rápido, porque se fosse contratar, licitar, ia demorar um ano, dois anos”.
Falta de expertise
Lemos também contesta quando se questiona se o MP não poderia criar o sistema de segurança e providenciar, por concorrência, a escolha da empresa para instalá-lo: ”Não temos expertise para isto, embora o meu órgão de segurança tenha opinado, está em contato. O projeto está sendo feito: aonde bota a câmara? Quantas câmaras são? O que elas fazem? São coisas do primeiro mundo, um negócio com câmaras inteligentes, softwares ultramodernos”, explica.
Ao mesmo tempo, lembra que se fosse tomar a iniciativa de escolher a empresa, poderia fazê-lo sem licitação, alegando a questão da segurança da instituição:
“Se eu tivesse resolvido fazer um projeto de segurança institucional para um órgão público com o Ministério Público, com o dinheiro do Ministério Público, provavelmente seria um projeto não licitável. Por quê? Como é que eu vou fazer um projeto que qualquer vagabundo vem aqui, tira e passa a conhecer? E depois nem aparece para licitar. Era um projeto que, provavelmente, não era sequer licitável. Porque é um projeto de segurança institucional de um órgão de segurança pública. Como vou expor toda a segurança que vou colocar aqui?”, questionou.
Batendo na mesma tecla, insistiu que embora a compra pelo MP poderia ser mais transparente, ela necessariamente não se daria com licitação: “Seria um pouco mais transparente? Seria um pouco mais transparente! Mas, primeiro que se eu fizesse isto, como falei, o projeto não é licitável. Eu poderia ter escolhido uma empresa qualquer, por inexigibilidade e ter contratado diretamente”, explicou.
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