O diretor do Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), Elias Fernandes, acabou traído pela estratégia do PMDB para tentar mantê-lo no posto e deixou o cargo na quinta-feira (26), alvejado por denúncias. Apesar de a nota oficial do governo federal dizer que Elias pediu demissão, ele foi demitido pelo ministro da Integração, Fernando Bezerra (PSB), a pedido do Palácio do Planalto. A avaliação do governo foi de que a situação dele ficou insustentável com as novidades trazidas pelo noticiário. Primeiro, vieram mais denúncias de corrupção, incluindo favorecimento ao filho, o deputado estadual Gustavo Fernandes (PMDB-RN).
A pá de cal, no entanto, foi a postura do próprio PMDB, de confronto ao Planalto e à Controladoria-Geral da União (CGU). O secretário nacional de Irrigação, Ramon Rodrigues, assume interinamente o cargo, até que o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), dono da cadeira e padrinho político de Elias, indique um substituto.
A passagem de Elias pelo Dnocs não resistiu às suspeitas levantadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) de irregularidades na gestão de pessoal e convênios com sobrepreços. O rombo nos cofres do órgão é estimado pela CGU em R$ 312 milhões. A auditoria foi feita depois de técnicos da controladoria constatarem problemas nas contas anuais do Dnocs entre 2008 e 2010. Também pesou contra o ex-diretor o fato de que ele teria feito uso da máquina pública para ajudar o filho, Gustavo Fernandes (PMDB), a conquistar uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte nas eleições de 2010.
Elias Fernandes foi demitido do Dnocs diante das denúncias de favorecimento e sobrepreço. Substituto será indicado por Henrique Alves |
Conforme revelou o Correio na edição de ontem, o Dnocs — sob o comando de Elias — firmou diversos convênios num total de R$ 9,3 milhões com 27 municípios do interior do Rio Grande do Norte e recebeu como contrapartida o apoio dos prefeitos para a campanha de Gustavo. Além da ajuda dos políticos beneficiados, o filho do ex-diretor recebeu R$ 50 mil em doações da Empresa Industrial Técnica (EIT). A firma ganhou pelo menos R$ 21 milhões em contratos realizados em 2010 com o Ministério de Integração — órgão ao qual é vinculado o Dnocs.
A tática traçada pelo padrinho político de Elias, o deputado Henrique Eduardo Alves, para tentar livrá-lo da demissão acabou colaborando para a sua queda. Primeiro, o peemedebista desmereceu as investigações feitas pela CGU e adotou o discurso de que apenas o Tribunal de Contas da União (TCU) seria capaz de averiguar se houve irregularidades no Dnocs. Num segundo momento, Alves foi além e passou a dar declarações desafiando o Palácio do Planalto a demitir Elias. As afirmações do parlamentar, de que o governo não teria coragem de peitar o principal aliado, ecoaram no gabinete da presidente Dilma Rousseff. A reação às declarações veio na manhã de ontem, quando o vice-presidente da República e presidente licenciado do PMDB, Michel Temer, recebeu o recado da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffman, de que Elias estava fora do governo.
Henrique Eduardo Alves foi então comunicado por Temer de que a situação do diretor-geral tinha ficado insustentável. Minutos depois, correu ao Twitter para disparar mensagens de apoio ao afilhado político e voltou a desafiar a CGU. “Esta última questão que envolve também a CGU (denúncias), com todo respeito, só cessará, para ele (Elias) e para mim, com decisão do TCU”, escreveu Henrique. No fim, ainda demarcou o espaço no órgão. “Peço alguns dias para sugestão de novo nome para representar o RN e o PMDB na Direção do Dnocs”, avisou.
Reação criticada
A avaliação de integrantes da cúpula do partido foi de que, ao abrir o confronto com o Planalto, Henrique desnecessariamente “esticou a corda”.
O receio dentro do PMDB foi de que o mal-estar permanecesse nas páginas dos jornais dos próximos dias, levando a um desgaste irreversível com o Planalto. “Não foi o melhor caminho. Henrique assumiu o ônus de defender Elias. Talvez o recado não era para o Planalto, mas para a base eleitoral dele”, avaliou um aliado do parlamentar.
Após participar de reunião de trabalho no Ministério da Integração, Elias foi convocado para ir ao gabinete do ministro Fernando Bezerra, onde foi comunicado da demissão. A queda de o diretor-geral ocorre três dias depois do diretor-administrativo do Dnocs, Albert Brasil Gradvohl, ser exonerado do cargo na mesma esteira das denúncias apresentadas no relatório do CGU. A degola de Gradvohl também causou revolta na bancada do PMDB do Ceará, responsável pela indicação.
Entenda o caso
CGU e o rombo de R$ 312 milhões
A Auditoria feita pela Controladoria-Geral da União (CGU) — entre setembro e outubro do ano passado — aponta indícios de irregulariedades durante a gestão de Elias Fernandes à frente do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs).
O rombo nos cofres da instituição é estimado em R$ 312 milhões. Entre os problemas encontrados pelos técnicos da CGU está o pagamento de complementação salarial devida aos servidores nos percentuais de 70% e 100% do vencimento básico de níveis médio e superior. O montante destinado para esse fim é de R$ 119,7 milhões. No relatório de 251 páginas, também são apontados prejuízos da ordem de R$ 192,2 milhões, destinados à construção de barragens, adutoras, açudes, pontilhões e passagens molhadas. “É possível constatar a precariedade em praticamente todos os setores do Dnocs, fatos reiteradamente apontados pela CGU, e o modo como essas deficiências contribuem para a baixa qualidade de projetos, gerando superestimativas nos orçamentos, daí para o sobrepreço nos contratos, e podendo culminar em superfaturamento das obras, com prejuízo aos cofres públicos”, diz trecho do documento. (ED e JJ)
Oposição vê favorecimento
Brasília e Natal — O suposto uso da máquina pública por parte do ex-diretor do Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), Elias Fernandes, para beneficiar o filho na disputa das eleições de 2010 foi duramente criticado por integrantes da oposição no Congresso. Conforme revelou o Correio na edição de ontem, o Dnocs repassou pelo menos R$ 9,3 milhões para 27 cidades do interior do Rio Grande do Norte comandadas por prefeitos que apoiaram a candidatura do deputado estadual, Gustavo Fernandes, filho do ex-diretor. O parlamentar disse ser “coincidência” a votação expressiva nesses municípios.
Para oposicionistas, essa prática se tornou corriqueira por parte de integrantes do governo. O Dnocs é vinculado ao Ministério da Integração, comandado por Fernando Bezerra (PSB), também alvo de denúncias. O ministro é acusado de favorecer sua base eleitoral, Pernambuco, com 90% dos recursos da pasta destinados à prevenção de desastres naturais em todo o país. “Essa revelação vem na esteira dessa denúncia de improbidade e tráfico de influência ocorrido no próprio Ministério da Integração que serviu de modelo e acabou também adotado pelo Elias. É mais uma afronta ao princípio constitucional de impessoalidade”, disparou o líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR).
“A imprensa tem desnudado os malfeitos pelo governo Dilma, este é mais um. A lógica de corrupção não é nada diferente dos fatos já revelados e que culminaram na queda de sete ministros”, avaliou o presidente do PPS, o deputado Roberto Freire (SP).
Ontem, Gustavo Fernandes negou beneficiamento ao Rio Grande do Norte pelo pai e alegou ter sido coincidência a votação recebida em municípios supostamente privilegiados por Elias. “Desde que assumiu o Dnocs, o PMDB buscou ajudar os municípios administrados pelo partido e outros também. Como havia um diretor do estado, a classe política local foi a ele buscar a liberação de recursos para várias cidades. A gestão do meu pai foi boa para todo o Rio Grande do Norte e outros estados, como o Ceará”, defendeu Gustavo.
Fonte:
Erich Decat
Josie Jeronimo
Colaborou Allan Darlyson. (ED e JJ)