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quarta-feira, 28 de março de 2012

Tendo que lidar com mortes, médicos desenvolvem formas de lidar com luto



O nefrologista Marcelo Lodônio admite que não consegue simplesmente se distanciar do sofrimento: ``Acompanho essas pessoas por anos. Claro que vê-las sofrer também me faz mal`` (Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
O nefrologista Marcelo Lodônio admite que não consegue simplesmente se distanciar do sofrimento: ``Acompanho essas pessoas por anos. Claro que vê-las sofrer também me faz mal``

“Eu sou os outros.” A frase foi uma das mais intrigantes ouvidas pelo oncologista Anderson Silvestrini depois de dar um diagnóstico de câncer de mama. Provavelmente motivada pela surpresa do médico, a paciente explicou: “É que nunca pensamos que vai acontecer conosco, só com os outros”. Com simplicidade, aquela mulher no consultório verbalizava o cerne do problema. Ninguém está preparado para um anúncio desse tipo — o ser humano pensa em doenças graves sempre em terceira pessoa. “Por essa razão, é natural que o paciente odeie quem dá a notícia de que ele pode morrer. Temos que respeitar isso e deixar ele nos odiar por algum tempo”, Anderson conclui, com a dura experiência de já ter sido obrigado a dar centenas de diagnósticos ruins.


Eles são acusados de insensibilidade, despreparo, falta de tato. Ao contrário do que prega o senso comum, entretanto, os médicos também sofrem ao dar as notícias ruins. E, no segredo das salinhas reservadas ou depois de tirar o jaleco, eles também choram e fazem luto por seus pacientes. “Eles entram no meu consultório no momento de maior fragilidade de suas vidas. Como eu poderia não me conectar?”, questiona Paulo Henrique Soares, um hematologista de 35 anos cuja especialidade é tratar vítimas de males como leucemias e linfomas. “Com o tempo, percebi uma coisa: não adianta tentar não fazer vínculo, isso só me faria um médico pior. Claro que, criando esses laços, fico sujeito ao luto quando algum paciente morre. Reavalio mil vezes na minha cabeça se poderia ter feito algo de diferente, me questiono”, confessa.


O luto dos médicos

"Eu sou os outros". Era uma das frases mais intrigantes que Anderson Silvestrini tinha ouvido depois de dar um diagnóstico de câncer de mama. Provavelmente motivada pela surpresa do oncologista, a paciente explicou: "É que nunca pensamos que vai acontecer conosco…" Com simplicidade, aquela mulher no consultório verbalizava o cerne do problema. Ninguém está preparado para um anúncio deste tipo — o ser humano pensa em doenças graves sempre em terceira pessoa. "Por essa razão, é natural que o paciente odeie quem dá a notícia de que ele pode morrer. Temos que respeitar isso e deixar ele nos odiar por algum tempo", Anderson concluiu depois de dar centenas de diagnósticos ruins.

Eles são acusados de insensibilidade, despreparo, falta de tato. Mas, ao contrário do que prega o senso comum, os médicos também sofrem ao dar as notícias ruins. E, no segredo das salinhas reservadas ou depois de tirar o jaleco, eles também choram e fazem luto por seus pacientes. 
"Eles entram no meu consultório no momento de maior fragilidade de suas vidas. Como eu poderia não me conectar?", questiona Paulo Henrique Soares, um hematologista de 35 anos cuja especialidade é tratar vítimas de males como leucemias e linfomas. "Com o tempo, percebi uma coisa: não adianta tentar não fazer vínculo, isso só me faria um médico pior. Claro que, criando esses laços, fico sujeito ao luto quando algum paciente morre. Reavalio mil vezes na minha cabeça se poderia ter feito algo de diferente, me questiono", confessa.

Uma pergunta aos médicos: Lidar diariamente com a morte te deixa mais inclinado a acreditar em Deus?

"Há até estudos sobre isso. Quando você tem fé, seu sistema imunológico funciona melhor, você tolera mais os tratamentos e consegue viver com mais dignidade. Às vezes, também vejo coisas que não consigo explicar. Por tudo isso, apesar de não seguir nenhuma religião, prefiro acreditar em Deus."
Anderson Silvestrini, oncologista, 38 anos

"Eu me divorciei de religião bem cedo: aos 12 anos já achava que aquilo não era pra mim. Uma pessoa que morre é como uma planta que morre ou um animal que morre. Está vivendo um ciclo. No meu trabalho, faço o que faço porque creio que minhas atitudes mudam as chances de alguém se recuperar. Se eu acreditasse que Deus é quem decide quem vai viver ou morrer, meu trabalho não faria mais sentido."
Claudia Silvestrini, fisioterapeuta de UTI, 37 anos

"A minha formação religiosa vem antes da medicina. Sou católico. Nunca questionei minha fé. Às vezes, nós nos preocupamos muito com a cura, rezamos pras pessoas viverem. Por que não pensar na alma e pedir também para que suas almas sejam salvas?"
Marcelo Lodônio, nefrologista, 41 anos

"Eu sou muito cético, muito científico. Pode ser até orgulho, mas eu espero não sucumbir à superstição e à religião na hora da morte."
Paulo Henrique Soares, hematologista, 35 anos

Fonte:Nana Queiroz