Quase dois meses depois do lançamento do programa federal contra o entorpecente, houve apenas ações pontuais na área da saúde. No campo da segurança, especialistas debatem o papel da polícia após as operações na cracolândia de São Paulo
Policiais revistam suspeitos na região conhecida como cracolândia, no Centro de São Paulo: experiência paulistana leva governo federal a elaborar recomendações aos estados |
Quarenta dias depois que a presidente Dilma Rousseff lançou o plano Crack, é Possível Vencer, a batalha contra a droga parece ainda não ter começado no plano federal. Apenas ações relacionadas ao tratamento já foram efetivamente executadas, por meio do repasse de cerca de R$ 15 milhões feito pelo Ministério da Saúde a oito municípios considerados prioritários. Na área de repressão, entretanto, nada saiu do papel. Aumento de efetivo policial nas fronteiras, contratação de agentes federais e até câmeras para monitorar a rotina nas cracolândias são algumas das medidas ainda sem data para ocorrer. O monitoramento dos espaços de uso, que poderia minimizar a presença da polícia, tão criticada na operação deflagrada pelo governo de São Paulo desde o início do ano, só poderá ser feito quando os estados aderirem ao programa federal. Só que nenhum, até agora, assinou o pacto.
A assessoria de imprensa da pasta esclareceu que só depois da assinatura do pacto é que a União repassará os recursos aos estados, que farão a compra das câmeras que permitirão o monitoramento das áreas de uso coletivo, cujo principal objetivo será identificar pequenos traficantes. Enquanto nenhum estado adere formalmente, o plano contra o crack, pelo menos na área da segurança, está na fase das “conversas técnicas”. A mais recente foi realizada ontem, no Recife, entre integrantes do governo local e da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), ligada ao Ministério da Justiça. Com a experiência de São Paulo, criticada pelo efeito da polícia nas cracolândias, que dispersou os usuários pela cidade, o governo federal recomendará às unidades da Federação que a abordagem aos viciados nas ruas se dê com polícia, assistente social e profissional de saúde, ao mesmo tempo.
Para tal recomendação, o governo federal se inspira na controvérsia gerada em São Paulo, onde a polícia tem dispersado os usuários e, com isso, estaria supostamente dificultando a abordagem por parte das equipes de saúde, além do uso de balas de borracha e bombas de efeito moral. Mas, como a União não tem poder de determinar como as polícias estaduais devem agir, caberá a cada governador ou prefeito determinar os limites da atuação dos homens fardados nas operações locais contra o crack.
OcupaçãoO tema é polêmico não apenas entre os gestores que se deparam agora com todos os riscos políticos relacionados à forma de combater a droga, mas também entre especialistas. Para o psiquiatra Emmanuel Fortes, que integra o Conselho Federal de Medicina, a presença policial deve ser mantida em outros estados, assim como São Paulo vem fazendo. “O Estado brasileiro não liberou a droga. Então, a polícia tem que ocupar esses espaços. A detenção da pessoa que porta droga para consumo ou para traficar está prevista em lei, não é uma violação das liberdades individuais, como muitos estão apregoando por aí”, defende.
Para Ignácio Cano, especialista em segurança pública da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), o temor é que a operação na cracolândia, com o uso da polícia, evidencie outros objetivos menos nobres do que convencer o usuário a se tratar. “Em geral, as ações têm se pautado pelo intuito de limpar um território de alto interesse. Essa estratégia tem certo sucesso temporal, mas passado um período os grupos voltam a se organizar. As medidas autoritárias colocam-se no lugar de conquistar a vontade do usuário de se tratar, sem a qual qualquer esforço é em vão”, afirma. Para Fortes, entretanto, a desconcentração causada pela polícia é positiva, porque dificulta o acesso à droga. “Reunidos, fica fácil para o pequeno traficante distribuir. A dificuldade de equipes de saúde alcançarem esses usuários é o efeito colateral, que pode ser vencido”, afirma.
Ações na área da saúde
Cerca de R$ 15 milhões foram repassados desde o lançamento do plano a sete municípios prioritários e ao Distrito Federal na questão do crack. Saiba mais:
SÃO PAULO
Investimento: R$ 3,2 milhões
Ação: custeio de 150 leitos para tratamento.
SÃO BERNARDO DO CAMPO (SP)
Investimento: R$ 1 milhão
Ações: custeio de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) 24 horas, duas unidades de acolhimento adulto e 50 leitos.
RECIFE
Investimento: R$ 2,8 milhões
Ação: transformação de quatro Caps em unidades 24 horas. Aumento de repasse para um Caps Álcool e Drogas 24 horas. Apoio a quatro unidades de acolhimento de adultos, quatro unidades de acolhimento infantil e 190 leitos.
RIO DE JANEIRO
Investimento: R$ 2,8 milhões
Ações: aumento de custeio para dois Caps Álcool e Drogas e três unidade de acolhimento. Aumento de custeio para 75.
SALVADOR
Investimento: R$ 258 mil
Ações: custeio de uma unidade de acolhimento para adultos, um consultório na rua e 15 leitos.
FORTALEZA
Investimento: R$ 1,7 milhão
Ações: aumento de custeio para 14 Caps, dos quais dois são para crianças e seis especializados em álcool e drogas, totalizando 112 leitos.
PORTO ALEGRE
Investimento: R$ 1,3 milhão
Ações: aumento de custeio para 55 leitos, quatro Caps 24 horas, uma unidade de acolhimento adulto e um consultório na rua. Até 2014, Porto Alegre vai ter 225 novos leitos.
DISTRITO FEDERAL
Investimento: R$ 1,7 milhão
Ações: aumento de custeio para três Caps para distúrbios psiquiátricos, um Caps 24 horas, um Caps Álcool e Drogas, além de 65 leitos.
Fonte:
Renata Mariz -JB