O aumento da população acima de 60 anos no Brasil apresenta oportunidades de negócios, mas traz também desafios complexos, sobretudo para a previdência e para o setor de saúde suplementar. Hoje, com 20,5 milhões de idosos, o país não garante condições dignas de sobrevivência e de atendimento médico para todos. Em 2050, eles serão 60 milhões e os problemas de agora, caso não sejam corrigidos, poderão fazer os brasileiros mais velhos assistirem ao colapso da saúde pública e privada, e também da previdência, logo quando esses mecanismos de proteção social se fizerem mais necessários. É o que mostra esta reportagem, que encerra a série do Correio sobre a força da terceira idade.
No caso da saúde, o sistema público mal consegue atender os 15,4 milhões de brasileiros com mais de 60 anos que não possuem planos de assistência complementar e chegaram à idade em que normalmente aparecem as doenças crônicas, de longa duração. Os outros 5,1 milhões, que, além de impostos, pagam um plano de saúde, têm de desembolsar cifras cada vez mais elevadas para manter o atendimento no setor privado — isso quando não enfrentam exaustivas brigas judiciais para ter acesso a procedimentos médicos mais complexos, que acarretam custos maiores para as operadoras.
Para 2050, se nada for feito, os prognósticos são os piores para o setor privado. Os executivos das empresas dizem que o sistema atual dificilmente conseguirá se manter diante do aumento da população idosa que faz uso dos convênios. José Cechin, diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) e ex-ministro da Previdência, explica que a raiz das dificuldades está nos gastos das operadoras, que são extremamente elevados e tendem a crescer.
Prejuízos
Além da sofisticação cada vez maior dos procedimentos médicos, que os deixa mais caros, o nível de sinistralidade — como o setor chama o percentual de pessoas que usam o plano de saúde constantemente — é elevado. Segundo ele, de cada 100 usuários, 80 geram gastos para a operadora. “No segmento de seguro de automóveis, esse nível é de 60%”, diz Cechin. “O que desafia o sistema é o aumento do número de idosos. E o modelo atual não é sustentável”, afirma.
Não à toa, grande parte da saúde suplementar é deficitária. Entre as empresas do ramo, as de pequeno e médio porte amargam resultados negativos há anos, com despesas muito superiores às receitas. As pequenas são as mais frágeis, tendo registrado, apenas em 2010, um saldo negativo de R$ 1 bilhão. As médias ficaram no vermelho em R$ 237 milhões. Diante da dimensão desses números, especialistas afirmam que os problemas vão muito além de questões de sustentabilidade. Para eles, boa parte dos prejuízos se explica por má gestão.
Comportamento
Segundo Cechin, é inevitável que as despesas cresçam nos próximos 10 ou 15 anos e, a curto prazo, o que pode ser feito é tentar evitar que os custos subam rápido demais. “Hábitos melhores de vida podem fazer isso. Hoje, pelo menos metade das mortes prematuras é causada por doenças derivadas de comportamentos pouco saudáveis”, argumenta. Uma resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tenta ir nessa direção e estimula os planos a dar descontos de até 30% nas mensalidades aos usuários que comprovem fazer exercícios físicos regularmente. O objetivo da medida é inverter a lógica do setor, que atualmente trata as doenças, mas investe pouco em medidas que ampliem o cuidado com a saúde. Não por acaso, dados da Associação Brasileira de Academias (Acad) mostram que os idosos já representam 30% do total de 5 milhões de matriculados no país. A adesão dos planos, porém, não é obrigatória.
Na visão de Márcio Coriolano, presidente da Bradesco Saúde e da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), a discussão precisa ser ampliada. “Todo mundo acha que tem direito a tudo e é preciso um debate para estabelecer limites”, pondera. “As pessoas não querem acesso apenas à medicina, querem o melhor dela.”
INSS exige reformas
Na previdência pública, a situação não é menos grave. Para o Ministério da Previdência Social é urgente descobrir como garantir a aposentadoria de 28 milhões de trabalhadores informais que irão deixar o mercado daqui a 30 anos e que não conseguirão fazer uma poupança para a velhice. São pessoas que tentarão se aposentar por idade, aos 65 anos, para receber um salário mínimo. Sem nunca ter contribuído para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no entanto, o grupo irá aumentar o rombo da previdência até um nível insustentável — hoje o buraco está em mais de R$ 40 bilhões. “Eles representam um terço da população economicamente ativa e ainda não têm cobertura previdenciária”, lamenta Leonardo Rolim, secretário de Política de Previdência Social do ministério.
Rolim ainda lista uma série de desafios, como trabalhadores que se aposentam por tempo de contribuição muito cedo, por volta dos 50 anos, e os gastos excessivos com pensões. Fora da esfera do INSS, mas também pensado sobre os cofres públicos, existe o problema da falta de um fundo de previdência complementar para os servidores da União. Corrigir essas distorções exige reformar o sistema. “Em 2050, teremos três vezes mais brasileiros na terceira idade, então é necessário algum ajuste. Hoje, nós usamos o fator previdenciário para promover algum equilíbrio, ajustamos via redução do benefício, o que não é o ideal”, observa o secretário.
Mesmo com todas as falhas do sistema oficial de previdência, os brasileiros cada vez mais buscam a formalização para obter esse benefício. Gilberto Portes de Oliveira, gerente da Agência do Trabalhador de Brasília, conta que, nas entrevistas de emprego, é comum as pessoas declararem preocupação com a velhice, sobretudo as que estão em busca do primeiro trabalho. “Elas querem ter um futuro, um endereço, universidade e aposentadoria. Ninguém mais quer ser temporário”, afirma. “Para esses trabalhadores, é uma questão de segurança e estabilidade ter carteira de trabalho e contribuir para a previdência”, emenda. (VM)
Mercado lucrativo
Sessão de hidroginástica em um clube de Brasília: hábitos saudáveis evitam sobrecarregar convênios |
No caso da saúde, o sistema público mal consegue atender os 15,4 milhões de brasileiros com mais de 60 anos que não possuem planos de assistência complementar e chegaram à idade em que normalmente aparecem as doenças crônicas, de longa duração. Os outros 5,1 milhões, que, além de impostos, pagam um plano de saúde, têm de desembolsar cifras cada vez mais elevadas para manter o atendimento no setor privado — isso quando não enfrentam exaustivas brigas judiciais para ter acesso a procedimentos médicos mais complexos, que acarretam custos maiores para as operadoras.
Para 2050, se nada for feito, os prognósticos são os piores para o setor privado. Os executivos das empresas dizem que o sistema atual dificilmente conseguirá se manter diante do aumento da população idosa que faz uso dos convênios. José Cechin, diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) e ex-ministro da Previdência, explica que a raiz das dificuldades está nos gastos das operadoras, que são extremamente elevados e tendem a crescer.
Prejuízos
Além da sofisticação cada vez maior dos procedimentos médicos, que os deixa mais caros, o nível de sinistralidade — como o setor chama o percentual de pessoas que usam o plano de saúde constantemente — é elevado. Segundo ele, de cada 100 usuários, 80 geram gastos para a operadora. “No segmento de seguro de automóveis, esse nível é de 60%”, diz Cechin. “O que desafia o sistema é o aumento do número de idosos. E o modelo atual não é sustentável”, afirma.
Não à toa, grande parte da saúde suplementar é deficitária. Entre as empresas do ramo, as de pequeno e médio porte amargam resultados negativos há anos, com despesas muito superiores às receitas. As pequenas são as mais frágeis, tendo registrado, apenas em 2010, um saldo negativo de R$ 1 bilhão. As médias ficaram no vermelho em R$ 237 milhões. Diante da dimensão desses números, especialistas afirmam que os problemas vão muito além de questões de sustentabilidade. Para eles, boa parte dos prejuízos se explica por má gestão.
Comportamento
Segundo Cechin, é inevitável que as despesas cresçam nos próximos 10 ou 15 anos e, a curto prazo, o que pode ser feito é tentar evitar que os custos subam rápido demais. “Hábitos melhores de vida podem fazer isso. Hoje, pelo menos metade das mortes prematuras é causada por doenças derivadas de comportamentos pouco saudáveis”, argumenta. Uma resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tenta ir nessa direção e estimula os planos a dar descontos de até 30% nas mensalidades aos usuários que comprovem fazer exercícios físicos regularmente. O objetivo da medida é inverter a lógica do setor, que atualmente trata as doenças, mas investe pouco em medidas que ampliem o cuidado com a saúde. Não por acaso, dados da Associação Brasileira de Academias (Acad) mostram que os idosos já representam 30% do total de 5 milhões de matriculados no país. A adesão dos planos, porém, não é obrigatória.
Na visão de Márcio Coriolano, presidente da Bradesco Saúde e da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), a discussão precisa ser ampliada. “Todo mundo acha que tem direito a tudo e é preciso um debate para estabelecer limites”, pondera. “As pessoas não querem acesso apenas à medicina, querem o melhor dela.”
INSS exige reformas
Na previdência pública, a situação não é menos grave. Para o Ministério da Previdência Social é urgente descobrir como garantir a aposentadoria de 28 milhões de trabalhadores informais que irão deixar o mercado daqui a 30 anos e que não conseguirão fazer uma poupança para a velhice. São pessoas que tentarão se aposentar por idade, aos 65 anos, para receber um salário mínimo. Sem nunca ter contribuído para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no entanto, o grupo irá aumentar o rombo da previdência até um nível insustentável — hoje o buraco está em mais de R$ 40 bilhões. “Eles representam um terço da população economicamente ativa e ainda não têm cobertura previdenciária”, lamenta Leonardo Rolim, secretário de Política de Previdência Social do ministério.
Rolim ainda lista uma série de desafios, como trabalhadores que se aposentam por tempo de contribuição muito cedo, por volta dos 50 anos, e os gastos excessivos com pensões. Fora da esfera do INSS, mas também pensado sobre os cofres públicos, existe o problema da falta de um fundo de previdência complementar para os servidores da União. Corrigir essas distorções exige reformar o sistema. “Em 2050, teremos três vezes mais brasileiros na terceira idade, então é necessário algum ajuste. Hoje, nós usamos o fator previdenciário para promover algum equilíbrio, ajustamos via redução do benefício, o que não é o ideal”, observa o secretário.
Mesmo com todas as falhas do sistema oficial de previdência, os brasileiros cada vez mais buscam a formalização para obter esse benefício. Gilberto Portes de Oliveira, gerente da Agência do Trabalhador de Brasília, conta que, nas entrevistas de emprego, é comum as pessoas declararem preocupação com a velhice, sobretudo as que estão em busca do primeiro trabalho. “Elas querem ter um futuro, um endereço, universidade e aposentadoria. Ninguém mais quer ser temporário”, afirma. “Para esses trabalhadores, é uma questão de segurança e estabilidade ter carteira de trabalho e contribuir para a previdência”, emenda. (VM)
Mercado lucrativo
O imobilismo e a letargia do setor público deixam um espaço que vem sendo ocupado fortemente pelos planos privados de previdência, um nicho de mercado que controla atualmente R$ 540 bilhões e, em oito anos, deve alcançar R$ 1 trilhão, o equivalente a quase 30% do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riqueza produzidas no país) de 2010. “Para se ter uma ideia do potencial de expansão do setor, os ativos sob controle dessas entidades no Brasil representam 15% do PIB, sendo que nos Estados Unidos eles somam 72,6% e no Chile, 67,0%”, observa Maurício Bassi, diretor da agência de risco Liberum Ratings.
Planos menores devem sumir
Diante do envelhecimento contínuo dos brasileiros, a tendência, no mercado de saúde suplementar, é de que as pequenas e médias empresas sejam engolidas pelas grandes em função de dificuldades operacionais. Atualmente, o segmento de maior porte, que contém apenas 45 empresas, é o único que apresenta uma contabilidade saudável — o restante está no limite e por anos seguidos vem registrando números ruins. Apenas em 2010, a diferença entre as receitas e as despesas das pequenas e médias deixou um saldo negativo de R$ 1,2 bilhão. A solução, na visão de executivos do setor, é um projeto engavetado, mas que recorrentemente volta ao debate: o PrevSaúde, um misto de previdência e plano de saúde.
O objetivo, segundo José Cechin, diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) e ex-ministro da Previdência, é agregar uma espécie de previdência ao plano de saúde. Como os custos para manter uma pessoa de idade avançada em um plano são elevados, seria criada uma espécie de poupança ao longo da vida, mas com destinação específica: cobrir a conta da saúde durante a velhice. A depender do produto adquirido, a mensalidade poderia ser paga integral ou parcialmente.
“Se você pegar a população de 2040 e colocar no lugar da de hoje, haveria um aumento entre 40% e 45% nos gastos das operadoras”, calcula Cechin. “Atualmente, de 4% a 5% da população tem investimentos e está preparada para manter uma renda por um longo período depois de parar de trabalhar. Então por que não seguir esse exemplo e poupar durante a vida para não ter problema na velhice?”, questiona. Ainda segundo Cechin, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estuda um plano de saúde que permita o acúmulo de mensalidades, semelhante a um fundo de pensão, porém ainda não há nada definido. “Não resolve os problemas do aumento contínuo de custos, mas já é uma boa ajuda”, pondera. A ANS foi procurada pela reportagem, mas não respondeu.
Fonte: Victor Martins