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domingo, 8 de janeiro de 2012

Idosos apostam cada vez mais em negócios próprios para continuar ativos



A artista plástica Vera Regina de Oliveira está cheia de planos: vai aproveitar a Copa do Mundo para fazer serigrafias em canecas e outros objetos (Iano Andrade/CB/D.A Press - 4/1/12)
A artista plástica Vera Regina de Oliveira está cheia de planos: vai aproveitar a Copa do Mundo para fazer serigrafias em canecas e outros objetos
A aposentadoria precoce de José Chacfe não o livrou de uma dura rotina. Com apenas um salário mínimo pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o mineiro de Rubim, a 760km de Belo Horizonte, viveu sobressaltos depois de encerrar a carreira de supervisor de vendas precocemente, há 19 anos. Como a renda minguou, ele se viu às voltas com dificuldades para honrar compromissos e manter a família. Mas não se conformou. Determinado, aproveitou a experiência profissional e, com produtos hidráulicos e elétricos no carro, foi para as ruas bater às portas de madeireiras e lojas de construção em Taguatinga. Após um cotidiano de acordar cedo e carregar caixas, a maior vitória veio há quatro meses, quando se formalizou como empreendedor individual. 

Na idade em que o mais comum é querer descansar, José se uniu aos 3 milhões de idosos brasileiros que possuem negócios próprios, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). “Quero trabalhar sossegado, pagar meus impostos e não dever nada a ninguém”, diz o empreendedor, de 73 anos. Na maioria dos casos, os que ultrapassam a barreira dos 60 anos voltam à labuta para complementar o benefício previdenciário, cujo teto é de R$ 3,9 mil. 

O diretor técnico do Sebrae, Carlos Alberto dos Santos, observa que muitos iniciam empreendimentos pelo simples prazer de trabalhar. Eles entenderam que, mesmo depois de chegar à terceira idade, não precisam depender da Previdência e podem escrever uma história de sucesso. “Nessa fase da vida, trata-se não só de melhorar a renda, mas também de realizar um sonho”, afirma.

OportunidadeJosé Chacfe agarrou sua oportunidade. Em vez de ficar se lamuriando, todos os dias ele enche o Fusca amarelo com tomadas, arames, fitas rolo, ferramentas e sai pelo Distrito Federal e Entorno em busca de compradores. Percorre de 80km a 100km por dia. Os principais clientes estão em Luziânia, Taguatinga e em pontos à beira das estradas. No fim do mês, tem pelo menos R$ 3,6 mil para acrescentar ao salário mínimo que recebe do INSS — neste ano, o valor subiu para R$ 622. “Saio com cerca de R$ 1 mil em produtos no carro. No fim do dia, consigo faturar de R$ 400 a R$ 500. Com sorte, vendo tudo”, conta. 

O empreendedor gosta do que faz. “Eu me sinto um garoto. Hoje, minha preocupação não são só os números. Trabalhar faz bem pra saúde”, afirma. José aprendeu a encarar os desafios bem cedo. Há 30 anos, quando viu a loja de tecidos de seu pai ruir, afundada em dívidas em Minas Gerais, mudou-se com a família para Taguatinga. Em pouco mais de uma década, passou por diversos empregos: foi bancário, vendedor e supervisor. Após se aposentar, o serviço por conta própria foi a solução para colocar mais comida na mesa. 

Com tino para os negócios, o aposentado não só superou as barreiras dos primeiros anos como conquistou uma clientela fiel, de aproximadamente 50 lojas. As estratégias são criativas. “Seduzo meus clientes. Danço bolero, salsa e samba de gafieira para eles. Discuto trânsito, política, dou conselhos amorosos e até ajudo a reatar casamentos”, diverte-se.

O traquejo de empresários como José foi conquistado ao longo de muitos anos de experiência. Francisco Barone, professor de empreendedorismo da Universidade Federal Fluminense, explica que, como já vivenciaram ambientes organizacionais, os idosos têm mais probabilidade de obter sucesso em um negócio. “A maturidade minimiza os riscos”, resume. Ele destaca, no entanto, que a principal desvantagem de quem está na terceira idade é não ter mais o ritmo de um jovem. “Ainda assim, a tendência é que o número de empresários idosos seja cada vez maior. Temos vários exemplos de pessoas que começaram a empreender após os 60 anos e deram certo.”

Juliana Seidl, coordenadora do Programa Empresa Júnior do Centro de Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Brasília (CDT/UnB), atribui o aumento na proporção de empreendedores idosos ao crescimento econômico do país nos últimos anos e ao maior acesso às informações sobre como abrir e gerir uma firma. “Agora, o governo precisa investir em políticas para incentivar essa população a abrir negócios”, avalia.

Prazer

A artista plástica Vera Regina de Oliveira é um dos exemplos de sucesso. A gaúcha, que chegou a Brasília em 1993, em razão da transferência do marido — o militar aposentado Odilon Antônio de Oliveira, 64 —, abriu um ateliê no subsolo da 309 Norte aos 45 anos. Hoje, a cinco meses de completar 60, ela não cogita se aposentar. Ao contrário, está cheia de planos: quer aproveitar as chances que a Copa do Mundo de 2014 vai trazer para ampliar as atividades. Vera vai utilizar a técnica conhecida como iris folding (imagens feitas com dobraduras em duas dimensões) para representar imagens de Brasília, que devem ser serigrafadas em canecas e objetos de uso cotidiano. “Estou nessa área há 40 anos. É um prazer. Só paro quando a idade não me deixar mais trabalhar”, afirma. 

A paixão pela arte começou cedo. No Rio Grande do Sul, Vera dava aulas em uma escola e em seu ateliê. Em Brasília, os primeiros alunos vieram em 1994, encantados por uma exposição realizada pela gaúcha. Na capital, ela começou a lecionar em casa. Três anos depois, decidiu oficializar o negócio. Além de ser entusiasta do iris folding, ela ensina desenho, pintura, mosaico e patch work. Atualmente, Vera tem cerca de 35 alunos. “Alguns estão comigo há oito anos. Dizem que eu sou um vício”, brinca. 

José Rodrigues da Costa, 65 anos, pilota um negócio próprio há mais de 30. Piauiense, ele se orgulha de conhecer cada um dos clientes que frequenta a Ótica Miragem, na sobreloja de um prédio no Setor Comercial Sul. Aposentado há um ano, ele diz que parar de trabalhar é inviável. “O valor do benefício é muito pequeno. Tenho de continuar com a ótica”, explica. Rodrigues veio para Brasília em 1964. Era servente de pedreiro. Aprendeu a arte das lentes com um amigo, em uma ótica na Asa Sul, onde trabalhou por um tempo. 

O negócio só veio em 1980. Hoje, José tem loja própria. Ele relata que o movimento é baixo, de cerca de duas pessoas por dia, mas que o rendimento é suficiente para pagar as contas de casa. “Ganho pouco, mas não tenho muitas despesas”, afirma. O piauiense, contudo, não tem medo do trabalho. “Sou novo ainda”, brinca. Folheando uma revista científica, José comenta uma notícia: “Isso de o mundo acabar em 2012 não pode, não. Quero viver muito tempo ainda”.

Fonte:Cristiane Bonfanti