No fim do ano passado, a Polícia Civil do Distrito Federal deflagrou a Operação Barão de Drummond e colocou atrás das grades 22 pessoas acusadas de trabalhar para o jogo do bicho em Brasília. Vinte dos detidos atuavam como apontadores, os responsáveis por recolher o dinheiro e validar as apostas. O que parecia apenas mais uma ação de combate a contraventores, revelou-se num grande esquema, com raízes em quase todas as cidades da capital.
O Departamento de Polícia Especializada (DPE) estima que pelo menos mil homens e mulheres fomentem a atividade clandestina. Eles seriam subordinados a quatro bicheiros, que, segundo os investigadores, têm ligação com os barões do jogo no Rio de Janeiro. E atuam também nas imediações da Esplanada dos Ministérios.
Apontador do Ministério do Trabalho computa os jogos dentro de um Kadett branco |
Ainda não se sabe ao certo quanto o jogo de azar movimenta no DF, mas a polícia tem certeza de que o negócio é bastante rentável. Só com os suspeitos detidos na última ação foram encontrados R$ 6 mil. O valor é considerado alto, visto que, três vezes por dia — manhã, tarde e noite — alguém de confiança dos bicheiros passa nas bancas para receber o montante arrecadado com as apostas. “Estamos diante de uma organização criminosa hierarquizada, com tentáculos em quase todas as regiões administrativas. As investigações consistem, agora, em prender tanto os peixes pequenos como os tubarões do jogo do bicho no DF”, afirmou o diretor do DPE, delegado Mauro Cézar Lima.
Devido à complexidade do caso, o delegado deve pedir a cooperação da Polícia Federal (PF) e da Polícia Civil carioca para tentar desbaratar a quadrilha que age em Brasília. “Temos fortes indícios de que criminosos do Rio tentam implementar os seus negócios fraudulentos por aqui. Suspeitamos que o dinheiro do jogo seja arrecadado no DF e lavado no Rio de Janeiro, por meio de empresas legais. As pessoas têm de ter consciência de que uma simples aposta contribui para o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro e o financiamento de quadrilhas”, alertou Lima.
Apesar dos esforços da polícia, a jogatina corre sem fiscalização à luz do dia, nos principais centros das cidades, e conta com um grande público, que inclui servidores públicos. É o que o Correio constatou na semana passada, ao percorrer seis localidades em busca de flagrantes. No coração do país, a pouco mais de 1km do Congresso Nacional, existem dois pontos de apostas tradicionais. Um deles fica no estacionamento atrás do Ministério do Trabalho e Emprego. O apontador é conhecido dos funcionários e passa o dia a computar os jogos em um Kadett branco. Ele passou a usar o veículo após a polícia intensificar a repressão.
Entre os anexos dos ministérios do Meio Ambiente e da Integração Nacional também funciona uma banca da jogatina. Assim como o contraventor do Kadett, o apontador do local usa um carro, um Corsa Sedan, para despistar a fiscalização e facilitar a fuga, caso seja necessário. O Gordo, como é conhecido, atua na mesma área há oito anos e teria sido preso pelo menos duas vezes. Chama a atenção o fato de que das mãos dele saem apostas feitas por homens de terno e gravata — com crachás de gabinetes dos ministérios —, vigilantes, flanelinhas e vendedores ambulantes.
Na Quadra 1 do Setor Comercial Sul (SCS), entre os edifícios JK e Maristela, uma banca de conserto de sapatos de fachada é usada para registrar os jogos. A apontadora do local, uma mulher loira e desinibida, parece ter intimidade com as pessoas que a procuram. Munida com uma máquina, ela entrega os bilhetes com os números indicados pelos apostadores em poucos segundos. Em 10 minutos de observação, 13 pessoas passaram pela banca. Com um bolo de notas de R$ 50, ela gargalha e se mostra satisfeita com a arrecadação do dia.
Perto dali, também na Quadra 1 do SCS, um outro apontador age livremente. Ele usa as mesas de um bar para anotar as dezenas referentes aos animais que podem ser sorteados no bicho. A reportagem acompanhou de longe a movimentação do homem por mais de meia hora. Nesse tempo, dois carros da Polícia Militar passaram pelo local, mas não abordaram o contraventor, que nem sequer demonstrou preocupação com a presença da PM.
Fora do Plano
Nas cidades mais afastadas do centro do poder, as pessoas recrutadas pelos bicheiros são ainda mais ousadas. Em Sobradinho, os apontadores circulam pelos bares com blocos de apostas. Os jogos são computados no balcão, nas mesas ou nas calçadas dos estabelecimentos das Quadras 5, 8, 13, 17, além da área central, onde fica o maior centro comercial da cidade e a presença de PMs é constante. “Aqui, quem recolhe o dinheiro de todas as bancas é um senhor, que passa para o cabeça (bicheiro). O negócio cresceu tanto que antes o bicho corria em três horários, às 10h, às 14h e às 18h. Agora, está correndo até à noite, por volta das 21h”, contou um jogador, que preferiu não se identificar.
Na Praça do DI, em Taguatinga Norte, a jogatina é feita numa sala localizada no segundo andar de um prédio comercial, onde os jogadores têm acesso por meio de uma estreita escada. Já no centro da cidade, na C-12, uma mulher é a apontadora que dá as ordens num bar bastante movimentado. Ela usa uma caixa de sapatos para esconder os canhotos dos bilhetes emitidos.
Para saber mais
João Drummond, o primeiro barão
O nome da operação deflagrada pela Polícia Civil foi inspirado no criador do jogo do bicho. Em 1892, o barão João Batista Viana Drummond, amigo de dom Pedro II, teve um grave problema financeiro. Ele era dono do zoológico do Rio de Janeiro e, para sanar as dívidas, entregava aos visitantes um papel com a indicação de um animal, dentre os 25 que havia no local, para o sorteio que poderia proporcionar uma quantia 20 vezes superior ao preço do ingresso. Ao fim do dia, os organizadores revelavam o nome do bicho vencedor e afixavam o resultado em um poste, o que até hoje continua sendo feito.
Fonte:Saulo Araújo - CB