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domingo, 1 de janeiro de 2012

Rio Ceará-Mirim agoniza


O próprio serviço de tratamento de esgotos do município é um dos responsáveis pela poluição do manancial


Pastor em um dos trechos mais críticos de poluição, João Batista lembra do tempo em que o rio era límpido, ao invés do córrego escuro onde os peixes lutam pela vida. Foto: Eduardo Maia/DN/D.A Press
Crime ambiental na Terra dos Verdes Canaviais. A prefeitura de Ceará-Mirim despeja diariamente milhares de litros de esgoto sem tratamento no leito do Rio Ceará-Mirim, que corta o território do município, distante 38 quilômetros de Natal. Línguas negras se formam em várias partes do rio. Em alguns locais, os peixes saltam da água, tamanha a agonia por falta de oxigênio dentro do manancial. A cidade tem sua própria companhia de águas, o SAAE (Sistema de Abastecimento de Água e Esgoto), que está com duas bombas d'água quebradas. Além do esgoto doméstico e industrial, a rede coletora pública também recebe restos de dejetos de empresas imunizadoras, provenientes de fossas sépticas. O Matadouro Público também contribui para a sujeira no rio.


Maria Cândido não come mais peixe do rio: é água de fezes. Foto: Eduardo Maia/DN/D.A Press
A dimensão das proporções da devassa no manancial aquífero ainda é desconhecida. O Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema), órgão estadual de fiscalização ambiental, informou que já tem conhecimentodo problema e que vai investigar o caso administrativamente. O Idema poderá multar o município, que também já enfrenta processo judicial por causa dos esgotos. Anteontem, o descaso ganhou proporção nacional quando uma reportagem foi exibida no SBT fazendo a denúncia. Ontem o Diário esteve em Ceará-Mirim, e verificou como o esgoto in natura é despejado sem piedade no leito do rio.

Pelo menos em duas estações elevatórias as bombas não estão funcionando. As lagoas de estabilização funcionam precariamente. Das três lagoas, uma está desativada, outra está assoreada e a terceira está funcionando com certa regularidade. Todas estão totalmente cobertas por mato e cheias de formigueiros. Não há sequer tratamento preliminar do esgoto. Faltam grades de contenção de sólido e comportas. Numa ponte que dá acesso à região das usinas, após a estação de trem, uma língua negra se formou. A poucos metros dali, um grupo de rapazes tomava banho. "Tá todo poluído", gritou um deles, antes de cair n'água sem receio.

Mesmo utilizandoa água do rio, a população também reclama do mau-cheiro e da poluição no manancial. Maria Cândido, 65 anos, há 34 anos utiliza a água de um olheiro próximo para lavar roupas. "As pessoas pescam e comem os peixes e piabas que comem esse esgoto. Eu não como mais nunca, principalmente depois que vi a seboseira. É água de fezes", afirma. Josimar da Silva, 34, lavador de carros, também relata a sujeira. "De longe se sente o fedor. Tem gente que come os peixes daí. Essas pessoas não têm medo de comer e pegar uma doença".

Ao redor da margem do rio, no local onde há um córrego de esgotos, o mato está escuro de tanta poluição na água. Bolhas se formam na lâmina d'água. São os peixes tentando sobreviver. João Batista Isidoro, 29, pastoreava gado próximo a um dos trechos mais críticos, na região de uma fazenda. "Antigamente esse rio era limpo. A gente via areia no fundo do rio. Hoje só se vê esgoto. Faz muito tempo que isso está acontecendo".

A dona de casa Maria das Graças Santos, 28 anos, há onze anos mora próximo auma boca de lobo que exala um "cheiro terrível à noite, inclusive de rato podre", segundo ela própria descreveu. "Daqui desce direto para o rio. Tanto o esgoto da cidade quanto da usina escorre dai abaixo", apontou. "Nem o gado pode beber água do rio". 


Fonte: Sérgio Henrique DN