Posse (GO) — A enfermeira Rúbia Rodrigues da Silva coordena o posto do Programa Saúde da Família (PSF) na cidade goiana, na divisa com a Bahia. Está acostumada a atender moradores de Posse com a doença de Chagas e a tentar encaminhamentos para centros médicos especializados, em Brasília e em Goiânia. “Aqui, é difícil achar uma família que não tenha Chagas.” Os pais e um irmão de Rúbia têm a doença. A família da enfermeira, a exemplo dos pacientes da unidade do PSF, não teve privilégios: ninguém consegue o medicamento indicado para casos agudos e crônicos. “O que nos dizem é que não está fabricando mais. Fico preocupada com meus pais e meu irmão.”
O que “dizem” a Rúbia e o que vive sua família são o reflexo de uma falha grave do governo brasileiro e do desinteresse da indústria farmacêutica por uma doença associada exclusivamente à pobreza, nada lucrativa. Por sete meses, pelo menos, o Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe) deixou de produzir o benznidazol, praticamente o único medicamento utilizado no tratamento de casos agudos e até mesmo crônicos da doença de Chagas. A interrupção da produção ocorreu entre abril e outubro do ano passado. Os problemas gerados pela paralisia quase passaram despercebidos, não fosse o manifesto de setores da comunidade científica e de entidades do terceiro setor, como os Médicos sem Fronteiras.
A indústria farmacêutica desistiu de mais uma doença da pobreza, e isso já faz nove anos. Desde 2003, a Roche Farmacêutica não fabrica o rochagan, nome ainda usado por quem tem Chagas para denominar o benznidazol. A licença foi transferida para um laboratório público, o Lafepe, que só produziu os primeiros lotes do medicamento cinco anos depois. Suspensa a fabricação no ano passado, o problema ganhou contornos internacionais. O Lafepe é o único no Brasil e no mundo a produzir o benznidazol. Praticamente todos os pacientes do mal de Chagas, a maioria deles na América Latina, dependem do medicamento produzido em Pernambuco.
“A situação chegou a um ponto crítico”, admite o diretor-presidente do Lafepe, Luciano Vasquez Mendez. “Se a matéria-prima não chegasse, haveria colapso no abastecimento.” O Correio apurou que houve, sim, desabastecimento. Municípios do interior do país, como Posse, deixaram de receber o benznidazol ao longo do ano passado. São exatamente locais com grande quantidade de doentes crônicos e com possibilidade de novos casos da fase aguda da doença. O acompanhamento, o custeio da produção e a regulação dos estoques de benznidazol são responsabilidades do Ministério da Saúde. Apesar de o presidente do Lafepe ter admitido ao Correio que a produção do benznidazol foi paralisada por sete meses, o Ministério da Saúde diz que “não é verdade” que o medicamento deixou de ser produzido. “Não há desabastecimento e, até este momento, não há registro de falta localizada do referido medicamento”, sustenta, por meio da assessoria de imprensa.
Fonte: Grasielle Castro - Correio Braziliense